segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Portugalmente - 80

(...)
Camilo foi desenhando os lances destas tragédias nas curvas e contra-curvas do caminho para a estação. E ao viajante foram escassos estes dois olhos que tem, para os perder nos encantos da paisagem. Nas vinhas do benefício encabritadas nos montes, nos olivais que pontilham as colinas, nos campos de amendoeiras a marinhar nas encostas.
Mas nem tudo é o que parece, na opinião de Camilo. E o viajante, que de amêndoas só conhece esta paisagem, não sabe que as mais delas os donos as não apanham, apesar da qualidade excepcional. Ele há subsídios à lavragem e aos cuidados do maneio. Mas o declive das encostas e o tipo de plantio impossibilitam a apanha mecânica, e as despesas de mão-de-obra transformam a colheita em pura perda. O viajante não sabe que na praça do Tablado as cotações se definem pela amêndoa da Califórnia, um produto de segunda a preços que ninguém bate. E que os poucos compradores, quase todos de Escalhão, só lhe pegam ao desbarato para a vender aos espanhóis. É assim que a casanova e a célebre fura-saco se limitam a esbranquiçar a paisagem, para excursões de reformados e animação das fábulas mouriscas. Deixaram simplesmente de existir, diluídas no mercado espanhol.
À margem da ribeira de Aguiar encontrou o viajante a dormitar na capela uma Senhora do Campo, enquanto o rebanho de António Digo-lhe-mais retoiçava numas hortas. Mais louçãs vão as ovelhas que o pastor, com este ar tão consumido, notou logo o viajante. Ao António não lhe agradam as notícias sobre o leite, que uns espanhóis lhe recebem. Querem-lhe baixar os preços e a ele não lhe convém. Bem queria evitar vender o gado, que já lhe criou amor há muitos anos. Mas assim…digo-lhe mais! Além disso anda gente por aí a derrotar os zimbros à socapa, por causa duns óleos da medicina. Os espanhóis dizimaram os que lá tinham, e agora vêm buscar os portugueses ao preço da uva mijona. Digo-lhe mais, outra vez!
(...)