segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Angelina


Tem 73 anos e vive em Dine, que é o lugar onde nasceu. É uma aldeia que tem fornos de cal, e fica para lá do derradeiro monte que é preciso galgar, até alcançar os fins do mundo. Chega-se lá depois de passar muitas encruzilhadas, e é um lugar tão bonito que dele não apetece partir. É aqui que vive Angelina, com uma cadela que se chama Luna, ouve uma pessoa um nome assim e põe-se logo a fazer perguntas ao instinto.
A seu tempo foi Angelina mãe solteira, duma filha que vive na cidade. Trabalha no comércio, a rapariga, e Angelina está toda contente. Gosta mais de a ver longe neste ofício, do que perto a labutar no campo. Ressalvando a tristeza de ambas se encontrarem só de horas em quando. Um dia há-de-lhe dar uma netinha.
Angelina vive aqui perto da fontana, ao lado duma presa de rega que também serve de tanque de lavar. E, quando chega o Natal, faz todos os anos um presépio ali no jardinzito, para animação do povo. A casa fica além, debaixo da parreira, e vivem hoje nela a dona e a cadela, conforme antigamente lá viviam Angelina e a mãe. Sempre que chegava a casa, a azougada Angelina punha-se a fingir a voz duma vizinha, às palmadas na porta com recados urgentes. – Oh que assim és tontinha, minha filha! E riam ambas no fim.
Ao contrário do que se vê na aldeia, Angelina não anda de preto, porque não é viúva. E por sobre ser uma mulher com ar alegre, tem um espírito aberto, solto e dado, o melhor será chamar-lhe livre, porque o é. Ninguém lho amansou, que é o que sucede as mais das vezes, quando passa por cima das mulheres o rolo compressor da conjugalidade. Não é provável que Angelina tenha consciência disso. Mas foi com um largo sorriso que logo nos convidou para almoçar, um frango caseiro que já lá tinha ao lume.
À despedida deu-nos um tantinho de nozes e castanhas. E confessou-nos que, por esse mundo além, só lhe agradava ver a árvore de Natal do Porto. Dizem que não há maior, e ela acredita nestas grandezas.