quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Gás natural: fragilidades à vista

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO-Portugal

Portugal aderiu ao gás natural em 1997, e essa forma de energia já representa 15% da energia primária consumida no nosso país. Estima-se para os próximos anos um crescimento médio do consumo superior a 10%. Isso fará subir, já em 2012, o peso do gás natural no balanço energético dos actuais 15% para 22%. Os nossos principais fornecedores são a Argélia (através do gasoduto do Magreb, via Espanha) e a Nigéria, de onde chega o gás que, depois de liquefeito, é transportado em navios metaneiros, que o descarregam no terminal de Sines.
Enquanto o petróleo, dadas as suas características, é a forma de energia privilegiada para os transportes, o gás natural é utilizado nas cozinhas e no aquecimento doméstico, na produção de electricidade e na indústria. Nesta última aplicação, tem um papel importante na produção de fertilizantes.
São múltiplas as vantagens associadas ao gás natural: ao contrário do petróleo, pode ser utilizado sem passar pela refinação; é uma energia limpa, uma vez que a sua combustão produz praticamente só CO2 e água, sem os indesejáveis monóxido de carbono, óxidos de enxofre ou nitrogénio; permite uma utilização muito flexível, podendo os equipamentos de queima ser facilmente accionados, para satisfazer períodos curtos de alto consumo.
As modernas centrais eléctricas a gás, de ciclo combinado, permitem altos rendimentos energéticos. Os investimentos financeiros necessários para as construir não são tão elevados como noutras formas de produção de energia eléctrica, e têm um período de retorno mais rápido. É essa também a aposta portuguesa, estando em desenvolvimento vários novos projectos.
Nestas circunstâncias não admira que o consumo de gás natural tenha tido um crescimento espectacular nos Estados Unidos e na Europa. De tal forma que, nos países europeus da OCDE, o consumo anual aumentou vinte vezes nos últimos 40 anos, situando-se actualmente perto dos 500 mil milhões de metros cúbicos.
A Europa aderiu desde a primeira hora ao gás natural, abastecida inicialmente pela produção doméstica. Mas essa produção, oriunda da Noruega, da Holanda, do Reino Unido e da Alemanha, está a diminuir, e a Europa já importa 45% do gás natural que consome. As principais fontes abastecedoras externas são a Rússia e a Argélia, através de gasodutos. Países como a Alemanha, a Itália e a Espanha têm hoje uma forte dependência exterior. Mesmo no Reino Unido, que já foi um exportador de gás, a situação está a agravar-se. A França tem também uma dependência externa quase total, tornada menos crítica pela opção nuclear.
No futuro, mesmo que continue a absorver a totalidade da exportação russa, ela própria com tendência para declinar pelo natural esgotamento das jazidas e pelo aumento do consumo interno (recorde-se que a Rússia é, a seguir aos EUA, o maior consumidor mundial de gás natural), e a totalidade da produção do Norte de África, a Europa vai ter de recorrer a importações de gás liquefeito doutras origens, possivelmente do Médio Oriente. Aí irá concorrer com o Japão, a Coreia do Sul e também a China, cuja emergência como forte consumidor pode estar para breve.
Para agravar a situação, os Estados Unidos, o maior consumidor mundial, já não são auto-suficientes. Importando uma parte do gás de que necessitam do Canadá e do México, deverão diversificar no futuro as suas fontes de abastecimento, e irão concorrer no mercado global do Gás Natural Liquefeito.
No quadro europeu, e de acordo com a recente análise de um especialista em assuntos de energia, Euan Mearns, essa situação crítica de abastecimento ocorrerá já em 2013. O abastecimento de gás natural irá então experimentar dificuldades, como resultado duma forte pressão da procura. Por outras palavras, mais um pesadelo para a economia: gás natural mais escasso e a preço mais elevado.
Por outro lado, a previsível escassez de petróleo poderá contribuir para uma maior utilização do gás natural nos transportes. Tal ideia foi já expressa num discurso recente de Al Gore, que advogou o abandono do gás natural para a produção de electricidade, em favor da sua utilização nos transportes.
Portugal apostou, e bem, nas energias alternativas. Mas estamos longe de conseguir, com esta opção, a desejável autonomia e independência: a produção hidro-eléctrica está muito dependente das oscilações pluviométricas; a energia eólica ainda é cara, e é intermitente; a produção foto-voltaica é muito cara. É inevitável, no futuro, o recurso a outras formas de energia.
Se ao gás natural ou ao fuelóleo estiver reservado o papel de combustível para as centrais eléctricas de pico (o peakload), então a produção eléctrica de base (o baseload) só poderá ser assegurada no futuro pelo carvão ou pelo nuclear. É esta a discussão a que iremos assistir, e não será uma discussão pacífica. Comparadas as desvantagens do carvão – poluição, emissão de CO2, aquecimento global – com as já bem conhecidas desvantagens do nuclear, é caso para dizer: venha o diabo e escolha!