terça-feira, 12 de abril de 2022

Metafísicas

O jagudi de pescoço pelado, indígena dos pântanos, poisou no galho escasso do embondeiro. O soldado de infantaria vinha cansado no coice do pelotão, deitou a bazuca no capim e estendeu-se à sombra do jagudi.

O pássaro ficou a chupar a última perna dum caranguejo do lodo, e o atirador abriu uma lata de sardinhas de conserva, que tirou do bornal.

- Mais me valia um pássaro na mão! - disse o soldado de infantaria.

- Antes te acudiram dois a voar! - disse o jagudi dos pântanos.

E assim ficaram. Mas quando o soldado atirador deu um piparote na lata vazia, um raio de sol fez ricochete no fundo da lata e regressou ao infinito.

Atentos ao sinal estavam dois bombardeiros de focinho comprido, que patrulhavam as nuvens e tinham ordens para abater tudo quanto mexesse. Vieram como duas setas, de nariz esticado e sorrateiro, rasgaram o ar por cima do embondeiro e largaram as duas bombas de napalm.

Iguaizinhos na vida, o jagudi e o soldado de infantaria mantiveram-se idênticos na morte. Só divergiam na metafísica.