O rapaz trabalha ali na oficina dos pneus, e tem as mãos e os braços negros até aos cotovelos. É um trabalhador exemplar. Faz estalar a pistola do ar comprimido para sacar as porcas, e anda numa roda viva entre o desmonta-jantes e o calibrador. Volta a montar as rodas nas polies, calibra o aperto dos parafusos, e por fim baixa o elevador eléctrico. Leva o carro a alinhar a direcção e logo parte para outro que o espera na box ao lado. Passa nisto o dia todo.
De vez em quando saem-lhe da garganta uns latidos agudos que os clientes já conhecem, parecem dum cachorro aflito. Mas ninguém pergunta nada nem fica sobressaltado. É assim desde que começou a trabalhar, e já toda a gente sabe donde isto lhe vem.
Tem estas reacções desde criança. As desavenças em casa, a gritaria entre os pais, o que viu e o que terá ouvido, ninguém o sabe mas todos imaginam. A aflição insegura levou-o a agir assim, a soltar estes latidos de terror.
Ora toda a gente sabe que um cão que tanto ladra não vai agora morder.