domingo, 2 de fevereiro de 2020

Sentido

Não foi aférese nem apócope o que se passou, antes fosse. Foi só síncope. 
Tinha caído a noite, ia eu a traquinar na sala dum lado para o outro, ao chegar à esquina caí redondo no chão. A cabeça bateu numa coisa qualquer, talvez um duro canto da pedra da lareira, tão duro que me deixou um lanho na cabeça. 
O que havia a fazer foi o que se passou: levaram-me ao centro de saúde, meteram-me numa ambulância e mandaram-me para o hospital. E lá fui eu na maca do bombeiro, adivinhando as curvas da estrada que sei de cor, até que ele me entregou na urgência.
Foi então que saltei cinquenta anos para trás e dei comigo numa ambulância militar, que buzinava frenética pelas ruas de Luanda. Era de noite e eu trazia a cabeça num bolo, os olhos entrapados nos cacos da viseira, uma miséria.
Na circunstância, os médicos e a juventude fizeram o seu milagre. Mas este hospital de agora não dispõe de bons médicos, nem se pode contar com a juventude do paciente. À meia noite, estendido numa maca e rudemente tratado, ao ver-me enfileirado num corredor sem fim onde velhos tossiam, assinei um termo de responsabilidade e fui para casa, contra o parecer do médico. O TAC nada acusava. E um fim de semana inteiro a corar, pendurado no estendal, à espera de amanhã,  tinham escasso sentido.