domingo, 23 de dezembro de 2018

Urgências

Circunstâncias casuais levaram-me a acompanhar uma pessoa amiga à urgência dum hospital. E o que seria um exercício breve e rotineiro transformou-se em meia dúzia de longas horas de espera. Deu para chegar a casa à meia-noite.
As ambulâncias iam e vinham num corrupio, os bombeiros manobravam macas, os médicos e os enfermeiros mal davam para as encomendas a atender os pacientes. Eram todos velhos e idosos, os pacientes, já no fio da navalha, um deles vinha mesmo embrulhado em celofane, como os chocolates do Natal. 
Às vezes um clínico desapertava a bata, esquecia o estetoscópio pendurado no pescoço, e vinha cá fora fumar ao canto um cigarro furtivo. Eu acompanhava-o na escapadela, todo contente por não ser médico, por não ser bombeiro, por não ser doente, por não ser um chocolate do Natal. 
Mas fugia da sala de espera colectiva, para não ouvir as conversas das mulheres de rabo grande, que ensurdeciam o ar e não davam descanso aos telemóveis.