Pois foi assim. O Zé Canelas cansou-se daquela vida e foi-se embora para a África. Nunca mais cá voltou nem deu notícias. Só uma vez mandou uma carta com um papel lá dentro que valia um tostão. E assim se soube que tinha ido parar a Benguela, um cemitério de brancos.
A mulher era tecedeira, e bem se cansava ela a dar à peanha. Mas a vida era uma miséria. E o Canelas, que era filho ainda garoto, herdou o nome do pai e foi para o Forno Telheiro a servir de pastor. Sempre seria melhor do que vender água a copo na feira de Agosto.
A patroa aviava-lhe a merenda numa meia das dela. Ele dividia o farnel com o cachorro de guarda, e já conhecia pelo nome meia dúzia de chalanas. Até que um dia se cansou daquilo, abandonou o ganau e foi-se embora.
O regresso a casa da mãe durou três dias, era longe, mas o Canelas lá aguentou a fome. E depois por lá andou, até que alguém o levou de marçano para a cidade. Foi esse um tempo que nunca mais esqueceu.
Tudo quanto agenciava mandava para casa, para os irmãos. Ele eram roupas, calçados, e até os mimos que algumas freguesas davam. Mas nunca mais se esqueceu daquela terra. Só de lá veio já homem, para casar com a namorada dum irmão, que se fora à procura do pai e logo morreu de paludismo. Em Benguela.
Muitos anos depois era ele feitor dos Crespos, (condição a que acedeu por ter casado com a mulher, que os Crespos não eram parvos). E o primeiro ensaio de aventuras só não se verificou porque ela, por uma vez, se recusou. - Tu vais para o teu Brasil, que eu fico aqui! Ele, naturalmente, acobardou-se.
Mais tarde a panca de África deu-lhe forte e feio. E ele lá foi. Enchiam-lhe as medidas os sonhos falsos de africanistas manhosos de que se ouvia falar. Porém, dois anos depois, voltou a casa de saco sacudido e o espírito num farrapo. Valeu-lhe o ninho que a mulher mantinha feito, e onde ele acabou por se reconstruir.
Mas foi sol de pouca dura. Manipulador exímio, um dia agarrou nos dois filhos mais novos e voltou para lá com eles. Casou uma filha por procuração e comprou uma loja numa picada da Angónia, onde vendia gasolinas e chitas reles e comprava milho e feijão que os pretos produziam nas machambas. Meteu a vida dos filhos num inferno, manipulou as contas da casa, e teve a esperteza de abandonar tudo antes do fim e pôr-se ao fresco. Doutro modo, eram os pretos quem teria ajustado contas com ele.
Muito mais tarde havia de se finar, quando acabou a pilha duracel que lhe instalaram no peito e o transformou num farrapo.