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O viajante é assim, gosta destes lugares que não vêm nos mapas, encontra neles a atmosfera mais limpa e a realidade mais transparente. Já se esqueceu das coitas da Ribeirinha e vai descendo a encosta, contente por estar aqui nesta altura do ano, com tantos verdes na paisagem. Na verdade não aprecia que olhem para ele como se fosse o cobrador de impostos. Mas, pesando e medindo, aceita o viajante que não se pode ter tudo duma vez só.
A estrada tornou-se recta e plana, e vai agora a par da ribeirinha, ali à esquerda abraçada num renque de amieiros, entre uma e outra há leiras bem cuidadas. Mas aparecem a gritar na paisagem dois monstros de aço pintados de amarelo, que estão além parados, ao fundo da encosta. E o viajante, curioso apreciador de maquinismos, mete-se à carreteira de saibro e vai investigar. Os dois monstrengos vieram de França e são irmãos melícios. Têm lagartas enterradas no chão, e puas, e garras, e dentuças capazes de mover a terra inteira. Estão cercados de grandes blocos de granito, que arrancaram à serra e deixaram semeados por ali. O viajante, que de ingratidões conhece alguma coisa, pensa que mal bastou ao faraó ver em pé as pirâmides, e logo abandonou aqui estes escravos carregadores. Mas há-de vir a saber que muita pedra daqui foi levada para França, até começarem a aparecer as contas por pagar, e os prazos de vencimento dilatados. As máquinas ficaram aqui a aguardar um destino que nunca mais veio, mais um milagre que não aconteceu, e agora é tudo pasto da ferrugem.
Inconformado e cabisbaixo, regressa o viajante à estrada. E se pensava que, entre faraós ingratos, e faunos bailadores, e Ribeirinhas feiticeiras, já tinha visto o mundo todo, bem enganado vai. Que à sua espera, e para seu assombro, está um dos castelos que Luís da Baviera sonhou fazer, na encosta ali à mão direita. A tanto lhe não terá chegado a vida, a vir fazer um aqui, por isso quem este fez foi um emigrante português.
O viajante gostava de fazer-lhe uma visita, ao castelo. Se possível guiada, porque se teme de perder-se em labirintos. Mas fica limitado a admirar-lhe a imponência cá de longe, parado à beira da estrada. O edifício está mudo e quedo, a dormir sobre uma vasta plataforma de saibro. Tem uma larga cerca de pinheirais em volta, e a própria casa da guarda, à beira do caminho, está deserta. Com as suas dobradiças e aldrabas de bronze nas portadas, assusta como capela funerária.
Nos três pisos, nos sótãos, e nas caves que o viajante só pode ver por fora, amontoaram-se estilos e tendências, ou arremedos, por assim dizer. A fachada vastíssima é barroca, no modo como nos esmaga a vista. O torreão cilíndrico é gótico, debaixo duma cúpula alpina. Nas muitas janelas perpassa um maneirismo estranho, com arrebiques de trazer por casa. E o viajante pensa que só falta aqui uma loggia da renascença italiana, para a obra estar completa. E para receber o sol, logo ao nascer.
O viajante já descobriu, e já o disse, que estas casas modernas foram feitas para guardar sonhos antigos, às vezes do tamanho do mundo. Porém aqui suspeita que muitos sonhos juntos não bastarão para rechear este castelo. A menos que o emigrante português seja tão sonhador como foi Luís da Baviera. O viajante ficará a saber, quando encontrar alguém que o informe, que neste casarão nunca viveu ninguém, e já foi por duas vezes assaltado. Os donos vivem longe, pelos vistos a nadar em dinheiro, e já pensaram em vendê-lo. Mas ainda não apareceu ninguém disposto a dar por ele a fortuna que nele está enterrada. E Luís da Baviera já morreu, afogado num lago, há muitos anos.
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