Com vénia ao Dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Nos anais da história económica, o ano de 2008 vai ficar assinalado como o ano do terceiro choque petrolífero. O primeiro ocorreu em 1973, na sequência do embargo de fornecimento ao Ocidente por parte dos países árabes. O segundo teve lugar em 1980, e está associado aos cortes de produção de crude, como resultado do conflito armado que opôs o Irão ao Iraque.
Mais do que um choque, o que aconteceu em 2008, no plano energético, foi um verdadeiro tsunami. O preço do crude, em Julho de 2008, foi a crista duma vaga destruidora que se abateu sobre a economia mundial. No entanto não parece existir uma causa única e directa, facilmente identificável, para este terceiro choque. É certo que a escalada dos preços ocorreu após o desencadear da crise financeira nos EUA, que ficou conhecida pela crise do subprime, em que terá havido uma forte pressão especulativa sobre os preços das matérias-primas. Mas a relação de causa e efeito entre estes dois acontecimentos ainda não é clara.
A explicação poderá também estar associada ao elevado crescimento das economias emergentes, sobretudo da China e da Índia, que levou a uma pressão na procura de crude por carência energética. Uma consequência dessa carência foi a reactivação do consumo de carvão. Entre 2001 e 2006, este consumo teve um crescimento espectacular de 5,5% ao ano, contrariando a tendência anterior de estagnação na década anterior, em que o crescimento do consumo de carvão se ficara, em média, pelos 1% ao ano.
Em 2008, no auge da alta de preços, falou-se insistentemente no pico da produção de petróleo como principal causa do aumento do seu preço. Tornava-se evidente e estranhava-se que, apesar da elevada cotação da matéria-prima, desde 2004 que a produção teimava em estagnar nos 86 milhões de barris por dia. As novas áreas de produção de Angola e da Ásia Central dificilmente compensavam as perdas em áreas produtoras tradicionais, como o México e o Mar do Norte.
Os preços do petróleo estão agora a recuar e o consumo a diminuir. Recorde-se que também após o segundo choque, em 1980, houve uma quebra nos preços e no consumo de petróleo. O mundo assistiu então ao rápido desenvolvimento de novas áreas de exploração fora da OPEC, nomeadamente no Golfo do México, no Alasca, e sobretudo no Mar do Norte. Foi também após 1980 que se assistiu ao acelerado desenvolvimento da exploração do gás natural, que aliviou muito a pressão sobre a procura de petróleo. Também nesse período se verificou a entrada em actividade de muitas centrais nucleares, sector que entre 1980 e 1985 duplicou a sua importância. Tudo isso permitiu relançar a economia mundial, que prosperou nas duas décadas seguintes.
As perspectivas apresentam-se agora com tons mais sombrios. Numa apresentação ao Council of Foreign Relations, realizada em Nova Iorque no início de Dezembro passado, o Dr. Fatih Birol, economista chefe da Agência Internacional de Energia (AIE) responsável pelo World Energy Outlook 2008 (relatório publicado anualmente) expressou uma grande preocupação pelo impacto que a actual crise financeira pode provocar no sector energético.
Para ele, a crise financeira e o baixo preço do petróleo já estão a provocar adiamentos em projectos de exploração em empresas independentes, e também no Médio Oriente. A crise, e a premência da sua ultrapassagem, veio relegar para segundo plano muitas das preocupações dos governos, no plano das energias alternativas e da eficiência energética. A própria problemática das alterações climáticas deixou de estar no topo da agenda dos governos e das organizações internacionais.
Em particular para o petróleo, ele antevê um mar de dificuldades. As grandes jazidas estão a esgotar-se ao ritmo de 6,4% ao ano. E antecipa que esse esgotamento vai acelerar-se no futuro, porque se extrai agora mais petróleo em jazidas mais pequenas, e em plataformas marítimas, onde os ciclos de exploração têm períodos mais curtos. Só para compensar esse esgotamento, diz Birol, vai ser necessário desenvolver, até 2030, novos projectos capazes de produzir 45 milhões de barris por dia, o equivalente à produção de quatro Arábias Sauditas. Além desse valor, será ainda necessário produzir diariamente mais 20 milhões de barris, para satisfazer o natural aumento da procura.
Ou seja: cerca de 60% do petróleo a produzir em 2030 terá ainda que ser encontrado, ou colocado em exploração; e para conseguir tal objectivo será necessário investir; porém, o investimento só será possível com preços do barril acima dos 80 dólares, aceites como custo marginal para produzir um novo barril de crude.
Vive-se hoje no mundo um angustiante clima de recessão. Para sair desta situação, urge recuperar o crescimento económico. E essa recuperação vai depender do crescimento da produção de energia. O tsunami de 2008 está agora na fase de regressão, e deixou o lodo a descoberto. Esperemos que não tenha réplicas.