UM ESCRITOR CONFESSA-SE.
(E a páginas 131, Aquilino Ribeiro, na flor da juventude, vai prestar provas para amanuense da Companhia dos Caminhos de Ferro. Eram os primeiros anos do séc. XX)
(...) Ao meu lado, um rapazola abrigava o trabalho com a mão em concha, não fosse eu libar o pólen de sua sabedoria e saltar por cima dele na classificação geral. Outro passou-me o seu primeiro borrão, conscientemente erróneo, animado do mesmo propósito ou com o objectivo mais decidido de eliminar-me. Peripatetizando na sala, os argos vigiavam não houvesse mascambilha, e com um ar casual, dedo rápido e as duas palavras-chaves cochichadas por trás da orelha, remetiam os amigos ou pupilos no bom caminho.
E sendo certo que a partícula representa o todo, o bicho a espécie, um português Portugal, aquela sala era bem o microcosmo duma sociedade pandilha, inditosa e superlotada de profissões liberais. E dela, à tona de água, ressaltava o seu complexo de inferioridade, pobreza, sofreguidão, uma fingida simpatia humana, e decadência colectiva.
Alcancei na pauta um número para lá da centena, pelo que seria sebastianismo puro acalentar a esperança de ser provido no lugar duma administração onde não havia carruagens que se vissem, não havia velocidade século XX, e não havia horas certas de partida e chegada, mas um imponente conselho director, outro igual conselho fiscal, e não sei quantos mais conventículos, exactos a repartir o lauto e suculento bolo. (...)