terça-feira, 6 de janeiro de 2009

da capo - 20

MASTRADOS
A senhora mastrada é mulher do senhor Roxo e tem um sindicato. Mal se lhe compreende um homem desta cor, e é talvez por isso que tem um sindicato. Mas adiante.
O senhor Roxo está em prisão preventiva, será por muito ir à missa, um dia algum juiz decidirá. E o facto é que, por ser a mulher do Roxo, a senhora mastrada teve em casa um mandado de busca, que um desembargador qualquer determinou. Do desembargador não sabemos mais nada. Apenas que desembarga e determina mandados, o que já não é pouco. E os oficiais lá foram.
A senhora mastrada concedeu que é mulher do senhor Roxo, e até lhes falou do sindicato. Mas não era bem isso que eles queriam saber. E do que iam à procura não se falará aqui, por estar em segredo de justiça.
Sucede, porém, que a senhora mastrada, ou por ter um sindicato, ou por ser mulher do Roxo, não pode sofrer em casa um mandado qualquer, assim do pé para a mão. Mormente sem a presença dum mastrado do conselho superior, capaz de validar a diligência: a ver se os oficiais dão o bom-dia, ou se pedem licença para revistar a alcova, ou desencravar à senhora mastrada alguma gaveta renitente.
Ora sucedeu não estar presente o tal mastrado, pois que o desembargador mandante se esqueceu de avisar o conselho superior, das intenções da busca. E assim foi anulada a diligência. Não por quaisquer razões substantivas, que se guardam em segredo de justiça. Mas por este claro e insuportável vício da falta de memória dum desembargador. Até os códigos ficavam a sangrar, se alguma coisa transitasse em julgado!
Agora, quando eu for grande, já sei o que quero ser. Não vou abdicar de ser mastrado e ter um sindicato. Mais hei-de aconselhar os meus vizinhos a esfolharem os códigos e a fazerem-se juízes. Ou até desembargadores, a ver se desembargam isto tudo.