Ao decidir instaurar um inquérito-crime, para investigar o caso da ocultação, deliberada, intencional e persistente, das dívidas públicas pelo governo regional, a Procuradoria Geral da República acaba de lançar a bóia de salvação ao ogre da Madeira. E por tabela a Cavaco. E a todo o bando do PSD.
O crime e o dolo existiram de facto, e já foram assumidos insolentemente pelo prevaricador. Porém, atolados na gelatina dos preceitos legais, os resultados do inquérito não poderão fazer recair sobre o ogre qualquer sanção jurídico-penal, e assim lhe garantem a impunidade. Porque a manipulaçao das contas públicas, e a ocultação da dívida, são infracções que recaem no terreno político, e não no terreno penal. Jurar cumprir as leis e a Constituição é um compromisso moral, ético e político. O seu incumprimento pode levar à reprimenda ou ao impeachment. Mas não arrasta implicitamente qualquer sanção penal.
A manipulação e a ocultação violam as regras e a transparência da vida democrática, desgraçam a imagem externa do país, agridem o normal funcionamento das instituições. Mas o julgamento político do crime incumbe, e só pode ser feito, por duas entidades: exercitado pelo PR, e avaliado pela AR, (secundariamente é sufragado ou não nas urnas pelo eleitorado).
Ora a instauração do inquérito-crime pelo Ministério Público vem fornecer a ambos (PR e AR) o alibi perfeito para o silêncio cúmplice e a inacção cobarde. Deslocada a questão para o âmbito jurídico-penal, onde não tem hipótese de sucesso, ambos esses órgãos (PR e AR) ficam desobrigados de se manifestar, a pretexto de que se aguarda o resultado das investigações da Justiça. É que a presunção de inocência é uma coisa sagrada.
É assim que a maioria PSD/CDS na Assembleia rejeita criar uma comissão sobre as finanças da Madeira. E Cavaco diz aos jornalistas que não é tempo de querelas estéreis. Importa é a coesão nacional, e as vacas, sorridentes, a pastar na Graciosa.
Acresce que, no bando do PSD existe apreensão, porque um animal acossado é perigoso. E o ogre já foi avisando que ele próprio não enriqueceu na política. O que significa que outros enriqueceram, (e nós já o sabíamos), sem outra causa visível além da venalidade. Há demasiados esqueletos no armário dos financiamentos partidários, do baronato do PSD, e do próprio Cavaco, que os chefia na sombra.
Finalmente a tirania democrática que dura há trinta e tal anos, tem garantido ao partido o voto dum eleitorado dependente, alienado e agora também acossado, o qual não é despiciendo. Mesmo perdendo a maioria absoluta, o resultado das próximas eleições não suscita grandes dúvidas.
E assim porão uma pedra final sobre uma história de escândalos, que envolve golpes conspirativos, fraudes de gangsters, mais-valias a compadres, negociatas de autarcas, corrupções com armas e submarinos.
Com uma maioria, um governo e um presidente, uma oposição de mansos no PS, e as imposições da troika a quem a esquerdalhada ajudou a estender o tapete, não lhes falta artilharia para nos porem a pagar a factura. Finalmente.