sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Cândida (2)

(…)
O certo é que o marido lhe morreu, porque o tempo foi demais. Tão longo o tempo dele, nesse dia, conforme o dela é hoje, que só a poder de tristeza e solidão lhe consegue resistir.
A casa, grande demais, ambos a ganharam na Alemanha, há trinta anos atrás. Deixaram o filho em casa do avô e ala moleiro. Bem lhe custou, como mãe. E mais lhe custaria se soubesse o que sabe hoje, que a criação do filho não foi o que devia. Sobre o mais, era aquela língua tão arrevesada que nunca foi capaz de lhe meter o dente. Mas os peixes na fábrica também não falavam, os peixes que ela amanhou anos a fio, a metê-los nas latas, sem uma palavra. Para já não falar do frio, que lhe incendiava os dedos, na água onde nadavam tripas e barbatanas. De vez em quando havia quem metesse uma krankada, mas Cândida nunca o fez. E se não fossem as férias que vinham em Agosto não se tinha aguentado. A bem dizer ainda hoje não sabe se valeu a pena tanto sacrifício.
Mas este ano já prometeu à Dulce que não vai ficar aqui sozinha. Quando as vindimas vierem, já prometeu à Dulce e à Armandina que há-de ir com elas para o Doiro. Há-de apanhar, madrugada, a camionete que as vai levar e trazer. Não será lá grande coisa. Mas pode ser que as férias de Agosto aconteçam outra vez.