sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Fomos ao rio de Meca - 2

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No meio do terreiro estão os homens agrupados na sombra das árvores, mesmo por onde vai a picada que atravessa o Tomboco, roças e florestas antigas, cafezais e plantações abandonadas.
Ao fundo, na curva, afogada no jardim, a frontaria da casa do administrador de posto. Do outro lado o quartel militar, com largas casernas de zinco e viaturas velhas apodrecendo na parada, cobrindo manchas de óleo. Cubatas pobres ladeando a estrada. Sebes de caniço e tábuas velhas delimitam cercados de mamoeiros, mangueiras, poleiros de galinhas. A casa dos polícias com grades de ferro nas janelas e sacos de areia sobre os muros. Das grades de ferro saem gritos, às vezes, quando há certos presos. Os homens da sanzala conhecem esses gritos. Os presos ninguém mais os vê, ali não ficam.
Mas as grades de ferro é o negro Paulino quem as conhece bem, ali na sanzala. Chegou um dia ao Tomboco, amarrado aos taipais de uma Berliet. Vinha do Piri, sozinho, degredado. Suspeito de manter contactos com a gente da mata, recebeu de manhã a visita do chefe Martins.
Não deu tempo para dizer adeus. Não deu tempo para falar uma palavra às crianças. Não deu tempo sequer para agarrar a velha máquina de costurar. Abafada no chicote ficou a violência do protesto do negro Paulino. A coluna estava pronta para arrancar, longe ficou depressa o uivo lamentoso da mulher.
Foi isto há seis anos, muito antes dos tropas começarem a levar gente de sanzalas inteiras. Negro Paulino viajou por picadas que nunca tinha visto, teve frio e fome, levou tratos de cão e chegou ao Tomboco. Um mês conheceu as grades escuras daquelas janelas por dentro, a insensatez bruta dos agentes. O chefe mandou um dia sair negro Paulino da prisão, disse que agora ia viver ali no Tomboco, e muito juízo na cabeça.
Negro Paulino protestou sempre. Por causa da família e das embambas, do resto não valia a pena protestar. Todos os dias negro Paulino passava tempo esperando à porta dos polícias. O chefe estava cansado daquela persistência do preto cambuta, irritado com os argumentos claros dele. Fez ameaças e insultos, proibiu o negro Paulino de voltar ali e disse que a família havia de vir.
Chegou sete meses depois, e foi viver na cubata que o negro Paulino construiu.
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