Nesta grande pequenez indígena, nunca foi indispensável ser estrangeirado para acabar abatido ao efectivo. Parecê-lo já bastou sempre. Acontece em sociedades como a nossa, em que o povo é tratado pelas elites como gado de exportação.
José Rentes de Carvalho, um andarilho notável com raízes transmontanas, deixou há muitos anos de viver na sua terra por razões que são da história. Andou muito pelo Brasil, pela América e por Paris, até lançar âncoras em Amesterdão, há meio século atrás. Foi correspondente de jornais, garimpou, vendeu cafés, tomou o pulso do mundo, fez-se professor das letras e culturas pátrias numa universidade holandesa. E acabou por repartir a vida entre Amesterdão e os Estevais do Mogadouro.
Escreveu sempre, abundantemente: Montedor (68), O Rebate (71), Com os Holandeses (72), Portugal - A Flor e a Foice (75), A Sétima Onda (84), Portugal - Um Guia para Amigos (89), Guia dos Vinhos de Portugal (92), Mazagran (92), Tempo Contado (96), O Joalheiro (98), O Milhão (99), A Amante Holandesa (2000), A Coca (2000), Ernestina (2001)...
À sua escrita reservou sempre a Holanda uma boa recepção, indo algumas obras suas além da dezena de edições. Em Portugal nunca se deu por ele, a bem dizer nunca existiu. Nem mesmo quando, na passagem do século, uma editora - O Escritor - deu à luz meia dúzia de trabalhos seus.
A editorazinha faliu sem sobressalto, guardou o autor alguns exemplares. E os publicistas, os críticos, os amanuenses das letras não encontraram razões para interrompar a sesta. Nem mesmo enquanto Rentes de Carvalho foi o veterano patrono da Periférica, cuja falta só não sente quem a não conheceu ou já se esqueceu dela.
Recentemente a Quetzal acordou e deu início à publicação da sua obra. Já lá vão Ernestina (a grande saga!), Com os Holandeses, A Amante Holandesa, Tempo Contado e La Coca, aparecendo agora a colectânea de histórias Os Lindos Braços da Júlia da Farmácia.
Ainda estremunhados, os escribas de turno descobrem agora em Rentes de Carvalho um "autor de culto das gerações novas". E terão razões, as tais gerações, já que a literatura, com vida lá dentro, é um barro bem diferente. Mais consistente do que o gel das escritas criativas, com que lhes desenham cristas arrojadas e lhes congelam as ideias.