quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Manuel Laranjeira, uff!!!

[Considerações de há 100 anos. Por muito pouco eram de hoje.]

(...)
"Um dia a Europa despertou com uma insaciável febre de liberdade. De França soprava um vento áspero que demolia as velhas sociedades. Era preciso reconstituir desde os alicerces, sociedades novas com um espírito novo. Subvertia-se um mundo e um mundo surgiu. Começava a era dos direitos humanos.
Portugal foi convulsionado por essa rajada transformadora de redenção humana - e também teve um código de povo livre.
Simplesmente refazer uma sociedade inteira em bases novas não podia ser obra de um dia. (...) E enquanto lá fora os povos se remodelavam, assimilando os novos ideais, criando um espírito novo, progredindo enfim, em Portugal a polilha daninha e parasitária começava, às escondidas, surdamente, a sua obra de devastação. Era preciso educar o povo, criar nele um novo espírito nacional, uma consciência moral nova, uma vontade colectiva capaz de impor-se na hora trágica da falência; era preciso adaptá-lo aos novos ideais do espírito moderno, transformá-lo numa sociedade livre e consciente. Era preciso, sobre as ruínas e destroços da alma antiga, construir uma nova alma portuguesa.
E que se fez?
Os homens que muito sinceramente tentavam educar e refundir a sociedade portuguesa eram sistematicamente relegados para o esquecimento, votados a um ostracismo criminoso. Cansados de lutar esterilmente, morriam, isolados, inutilizados, descrentes. Triunfavam os sem vergonha, os sem escrúpulos, os que tinham por princípio de moral - viver a vida sem ideal.
E o povo continuava na mesma estagnada ignorância, na mesma sofredora passividade. Para ele, a liberdade, todos os direitos do homem, continuavam a consubstanciar-se nesta palavra - obedecer. Deram-lhe liberdade, oh! fartaram-no de liberdade. Tão somente não o ensinaram a estimá-la e a defendê-la. (...)
Portugal ia cobrindo o seu espírito antigo, imóvel, adormecido, com as aparências do espírito moderno. Copiou-se o exterior da civilização: apresentávamos o aspecto de povo civilizado. No fundo éramos um povo ignorante, obediente, que a polilha ia impiedosamente desagregando.
E, de sofisma em sofisma, de ficção em ficção, de mentira em mentira, o nosso mal foi-se agravando até chegarmos a esta situação intolerável e quase degradante.
Foi assim que a Nação adoeceu. (...)
O remédio?
Mas o próprio mal está dizendo qual ele deva ser. É preciso começar desde o princípio. Desde o princípio. É preciso refazer tudo (...) A tarefa é árdua, trabalhosa, dolorosa, e demanda rios de energia perseverante. Mas é preciso empreendê-la, sob pena de nos vermos morrer ingloriosamente, indignamente, relesmente, com o desprezo dos outros - e de nós mesmos. (...)
Não nos iludamos. Ou nos salvamos nós, ou ninguém nos salva. (...) A experiência da nossa salvação messiânica está tristemente feita. O messianismo em Portugal fez as suas provas e faliu.
Os que tinham verdadeira envergadura messiânica morreram abandonados, desiludidos, aborrecendo os homens e a vida. Os outros, os messias de quadrilha, esses têm um ventre esfíngico e mais difícil de saciar do que o ventre misterioso das nações vivas, quando andam à caça das nações mortas para as devorar."