Consta que a televisão vai promover a selecção de sete maravilhas de origem portuguesa, que existirão no mundo. Para levantar o orgulho nacional, que tão rasteiro anda, é o que dizem! E é mais que certo voltarmos nós outra vez ao mar tenebroso, e aos padrões imperiais semeados nas dunas, e às fachadas de catedrais instáveis, e a ruínas de fortalezas velhas.
O concurso é um exercício lamentável, senão mesmo nocivo! Porque em vez de ensinar os portugueses a entender a história, e os ajudar a ser gente, prefere a televisão transformar-lhes a cabeça em logradouro de mitos imprestáveis.
Entre os séculos XV e XVI, a elite dirigente levou Portugal para o mar, a edificar um império. Teria o país por junto um milhão de habitantes, e recursos por força limitados, para a imensidão da tarefa. Mas os portugueses partiram, e lá chegaram à Índia, e um deles deu a volta ao mundo inteiro.
A importância de tais cometimentos, a grandeza das realizações, e o seu significado humano não sofrem contestação, por serem da ordem do transcendente. Mas nunca houve bela sem senão, e o senão de Portugal foi um só: qualquer povo que, em condições semelhantes, empreende uma tarefa tal... não pode falhar o empreendimento. Por pôr em cima da mesa os trunfos todos que tem, fica de peito no fio da navalha. Ou ganha, ou não sobrevive.
Cinquenta anos depois o império da Índia era uma bancarrota, e até a independência de Portugal se perdeu. O Brasil algum tempo mais tarde, a África de ontem, e a moderna Europa de hoje, nunca chegaram a ser, para os portugueses concretos, mais do que miragens perseguidas.
Face à indisfarçável decadência, as elites nacionais afadigaram-se a criar mitos pintados, assobiaram para o ar, puseram culpas ao Velho do Restelo. Ainda não pararam de o fazer. E já era tempo de a televisão saber que a única maravilha de origem portuguesa, merecedora de registo, é Portugal ainda existir.