CRÓNICA DUMA MORTE ANUNCIADA - Gabriel Garcia Márquez
A história não podia ser mais simples. Tão simples e tão breve que não existiria, não fosse o espantoso modo como está contada.
Num quadro rural da América Latina, casa um rapaz afamado com uma rapariga comum. Ao dar-se conta de que ela já não traz a virgindade, na mesma noite a devolve à procedência, deixando-a nas mãos da mãe sem mais explicações. Perante um desfecho tão funesto, reagem dois irmãos dela:
- Vá, menina, diz-nos lá quem foi!
Ela demorou tão só o tempo necessário para dizer o nome. Procurou-o nas trevas, encontrou-o à primeira vista entre tantos e tantos nomes confundíveis deste mundo e do outro (...)
- Santiago Nasar - disse.
Ficamos na dúvida nós e ele, que lhes morre às mãos pouco depois, à facada. E assim a honra foi limpa.
Quem está encarregado de nos contar a história, vinte e tal anos depois, é um comparsa secundário, que pertence ao grupo social mas não desempenha na intriga qualquer papel de relevo. Fala com todos os intervenientes, que lhe são familiares, traz-nos de cada um o que ele sabe, deixa-nos pistas de entendimento do mundo em que a acção se move, e vai construindo à nossa frente a sua teia sedutora. Tudo isto servido por uma tradução de luxo, da mão de Fernando Assis Pacheco. Chega o leitor ao fim e põe-se a chorar por mais, porque um pitéu assim é sempre pouco.
Escrever não é juntar palavras, está visto, como quem se ocupasse a amontoar tijolos. Antes há-de ser seleccioná-las, as palavras e as ideias, e dar a cada uma a sua função, segundo uma arquitectura que o artista engendra e sente.
Lições de escrita criativa?! Não há melhor lição que uma boa leitura!