quarta-feira, 23 de março de 2016

Um poema, de escrever, há-de ser delicado. De ler sei que não é menos.

O leitor não conhece este autor. Sabe-o vagamente jornalista, isso lhe basta e pouco mais lhe interessa. Trouxe para casa uns poemas, leu uns tantos. Foi à vida, mais tarde voltou a eles. Leu-os todos. Foi só então que os poemas ficaram acabados. Tinham saído da mão do seu autor, e andavam por ali de porta no trinco, à espera. O leitor fechou-lhes a cancela e acabou-os. Depois disso releu-os várias vezes. 
É este o percurso natural da criação artística, fechar-se só quando encontra o seu destinatário. Outro qualquer é simples passatempo ou extravagância. Claro que depois disto, este hesitante leitor releu-os. É que não gosta de comer gato por lebre.  
Foi conhecendo o sujeito poético que andava lá por trás. Acabou por meter-se dentro dele, e ele foi, naquilo tudo, o primeiro objecto que o prendeu.
Por se tratar dum sujeito curioso, este, foi o que o leitor pensou. Tem um passado de infância que recorda, melancólico. Mas não é um saudosista, nem pretende regressar-lhe. Paira ali, num presente que vê com desalento, uma tristeza às vezes. Felizmente para ele, nunca veste a couraça do cinismo, que deixa sempre a alma fria, congelada. 
E sabe que lá para a frente um futuro está à espera. Mas duvida tanto dele que abdica de o perseguir. Espera apenas. Sem ataraxias nem fugas, sem alheamentos. Estranho sujeito este.
E este leitor deu por si a chegar à poesia que tão estranho sujeito lhe dizia. À inovação das malas-artes dela, às emoções estéticas que estes poemas lhe fizeram experimentar.
Depois foi este leitor ver o atavio dos poemas, desvendou-lhes a cor das roupas íntimas. para entender de que forma é que eles o seduziram. De que artifícios os dotou o seu autor, quando os deixou ir ao baile. É que há modas, modernismos, trejeitos e maneirismos passageiros... Alguns deles fazem jogos de silêncios, de vazios, e de ausência aparente das palavras. Mas não foram esses que lhe agradaram mais. E se toda a arte não passa de artifício, mais que todas assim é a arte das palavras. Para realidades cruas basta a vida!
Este leitor chegou à sua conclusão: há poeta novo, alegria! E os poemas dele, que longa vida vão ter? Eternidades não poderá garantir, seria pedir demais. O tempo será, em qualquer caso, o último juiz, a instância definitiva.

Poema
Este poema não existe.

Para começar
E no turbilhão de palavras que 
sempre vive no meio de nós
resgatar umas quantas.
Trazê-las, ainda vivas, à superfície
para começar um poema.

Que era o da luz a desaparecer
E o tempo não se media
em horas
minutos
segundos.
Era o tempo da luz a desaparecer
lentamente,
até não conseguirmos ver
a baliza inventada
do outro lado da rua.

Porque o futuro
Voemos então
se tudo é possível, meu amor,
até a alegria no trabalho
dos homens das agências funerárias.
Voemos então até ao cume das mais
invejáveis febres
- da mesma matéria incandescente
mas sempre outras.
Rondemos o sol.
Voemos então
enquanto se vê alguma coisa.

Porque o futuro
é sempre em primeira mão,
é sempre novinho em folha, sim,
mas o futuro...

...o futuro
não é,
meu amor,
de confiança.