quinta-feira, 31 de março de 2016

Horas felizes

Há horas mesmo felizes! Já vi filmes que me emocionaram, me ensinaram, me encantaram, me ajudaram a crescer em múltiplos aspectos. Mas há muito que os não via (italianos, franceses, ingleses, mesmo alguns americanos), desde que o rolo compressor da indústria do passatempo global chegou da América, atulhado de barris de coca-cola e baldes de pipocas. Fechou salas de cinema, abriu as suas, monopolizou a distribuição, e clandestinizou o cinema europeu. Assim como ganhou à Europa a batalha imperial da cultura de massas!
Ontem voltei a sentir emoções velhas, em sessão de cineclube. É um filme a preto e branco, de Laurent Cantet, uma produção franco-canadiana de 2012 e argumento baseado na novela Foxfire: Confessions of a girl gang (1993) de Joyce Carol Oates, escritora americana.
É o quadro duma certa juventude americana da década de cinquenta, do qual se distanciavam mais que um século aqueles que a viveram por cá, em tempos medievais. É instrutivo ver isso e fazer comparações. E este gang feminino, organizado em associação secreta, ensaia uma reacção (que é uma guerra multiforme) aos falsos valores em uso, lá na terra.
Na legendagem há um erro. É traduzir por "Pernas" o nome da figura principal do gang, a jovem "Legs"!. Onde é que já se viu traduzir isso, e como é que isso poderia funcionar?!
O desenrolar do plot narrativo conduz o gang a um falhanço, e o desenlace é o fracasso e a dissolução do grupo. O único erro da Legs foi assumir uma opção temerária, um risco de aventureira, foi um passo mais largo do que as pernas que o grupo tinha.
Eu não sou nada entendido em cinema, nem pretendo sê-lo. Mas pela primeira vez a questão se me coloca: para contar a história a um destinatário, há narrativas em que a linguagem cinematográfica (a cores ou a preto e branco, pois são linguagens diferentes e será caso a caso) pode ser mais adequada e significativa do que as palavras da literatura. É o caso do Fahrenheit 451 de Bradbury, do Jivago de Pasternak e outros. 
Podia tirar neste caso uma prova real, se fosse ler a novela da escritora americana. Comparava o meu lugar de espectador e o de leitor. Mas, que fazer, eu tenho muito mais!