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O viajante chegou à estação de Almendra, demorou um olhar nela, desejou não ter lá ido. Ouviu Camilo falar do que ela foi noutros tempos, da chegada dos comboios que vinham da cidade a silvar vapor e fumaradas, dos cestões de fruta nas balanças para despacho ao domicílio, dos vagões de cereais e de farinhas que rangiam ao partir, das pipas atulhadas dum arroz envergonhado para o rancho dos falangistas, dos barris atestados de volfrâmio clandestino para as forjas dos nazis, das encomendas que vinham endereçadas com etiquetas de pau, da pedra-lipes para as vinhas. O viajante desejou não ter lá ido, porque hoje só ali vão turistas desocupados e ladrões de carris, muitos que já não existem são travejamentos de vivendas patuscas, onde moram portugueses que adormecem em sossego. O viajante desejou não ter lá ido, pois ver assim desprezado um lugar destes é ver a esperança a morrer. E, sendo verdade ou mentira, o viajante não se tem por masoquista.
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