segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ecos da Sonora - XXXII

É raro, mas acontece, tropeçar a gente num pedaço de ficção que se lê com prazer e proveito. Este vem da América, da mão do senhor J. D. Salinger, e chamaram-lhe À Espera no Centeio.
É editado pela Difel, mas viu a luz do dia no ano longínquo de 1945. E isso explica muita coisa.
O narrador, um adolescente de 16 anos, é despedido do colégio que frequenta, pelos resultados medíocres. E regressar a casa nessas circunstâncias não é um gesto pacífico. Durante cinco dias, de sábado a quarta-feira, desfilam emoções, errâncias, peripécias, aventuras, lembranças e sonhos, numa sucessão de pequenos gestos que à nossa frente compõem o quadro afectivo, social, cultural e mental dum adolescente americano da época.
A linguagem utilizada é a surpresa maior, marcada por uma irreverência que se adequa perfeitamente à condição do narrador. Num registo que chamaremos mínimo, anda perto da pura oralidade. Faz uso dum calão adolescente que às vezes roça o vernáculo, sem nunca atingir o despudor nem fazer disso bandeira. A mostrar que, com mestria e muito pouco, é possível fazer muito.
Junte-se a isso uma tradução de luxo, o que é raríssima coisa, e o rebuçado é perfeito.
(...) Quando estava em Pencey, morava na ala Ossenburger nos dormitórios novos. Era só para os do penúltimo ano e para finalistas. Eu era do penúltimo ano. O meu colega de quarto era finalista. Tinham posto àquilo o nome de Ossenburger, por causa de um tipo que tinha andado em Pencey. Tinha feito uma data de massa no negócio das agências funerárias depois de ter saído de Pencey. (...) Seja como for, doou a Pencey um monte de massa e então eles deram o nome dele àquela ala.
No primeiro jogo de futebol do ano, apareceu no colégio na merda daquele Cadillac enorme, e nós tivemos todos de nos levantar na bancada e dar-lhe uma "locomotiva", que é uma aclamação. Depois, na manhã seguinte, na capela, fez um discurso que durou umas dez horas. Arrancou uma cinquenta piadas foleiras, só para nos mostrar o tipo porreiro que ele era. Uma coisa que só visto. Depois desatou a contar-nos porque é que nunca se envergonhava, quando se via metido em qualquer problema ou assim, de ajoelhar e de rezar a Deus. (...) Aquela deu cabo de mim. Estou mesmo a ver o armante daquele cabrão a meter a primeira e a pedir a Jesus que arranjasse maneira de mais uns quantos esticarem o pernil.
A única parte gira do discurso foi quando ele ia mesmo a meio. Estava a contar-nos o gajo bestial que ele era, o manda-chuva que era e tudo, qundo de repente o tipo sentado na fila à frente de mim, o Edgar Marsalla, mandou um peido do caraças. Foi uma coisa bastante grosseira, na capela e tudo, mas também bastante divertida. G'ande Marsalla. Ia mandando o telhado pelos ares. (...)