Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Em 1999, Dick Cheney, que viria a ser vice-presidente dos EUA com George W. Bush, afirmava numa palestra proferida no London Institute of Petroleum : “Em 2010, vamos necessitar de extrair mais 50 milhões de barris de petróleo por dia. E o prémio está no Médio Oriente, pois é lá que existe petróleo em abundância e ao mais baixo custo”. Dick Cheney, que nessa altura dirigia a Halliburton, importante empresa petrolífera norte-americana, sabia do que falava. E quando proferiu essas palavras pensava certamente no Iraque, um território que nos últimos 100 anos teve toda a sua atribulada história ligada ao petróleo, desde a formação, em 1912, da Turkish Petroleum Company (mais tarde chamada Iraque Petroleum Company), até aos recentes desenvolvimentos que levaram à invasão americana e à queda de Saddam Hussein.
O Iraque é um país riquíssimo em petróleo. As suas reservas são das maiores do planeta, e muitas jazidas com elevado potencial de produção estão por explorar. Alguns analistas acreditam que poderá haver ainda jazidas por descobrir, sobretudo no deserto a ocidente de Bagdad. Por várias razões, nunca foi possível pôr em execução um plano sistemático de exploração do petróleo neste país. Mas se os ambiciosos projectos actualmente em progresso no Iraque se concretizarem, muita coisa pode mudar, e o espectro da escassez de petróleo no mundo será afastado, pelo menos nos próximos anos.
A situação de guerra no Iraque, que tem sentido algumas melhorias nos últimos dois anos, aliada à pressão da procura e aos preços elevados, permitiram ao Governo iraquiano negociar complexos acordos com as IOC’s (International Oil Companies), as quais têm andado afastadas dos países onde o crude abunda. Afastadas por governos hostis, que procedem à exploração do petróleo através das suas companhias nacionais. É o caso do México, da Arábia Saudita, do Irão e da Venezuela, para citar apenas os casos mais importantes.
Anunciam-se agora acordos do governo iraquiano com as grandes companhias petrolíferas (Shell, Exxon, BP, Total, Eni, Sonangol) para exploração partilhada do petróleo do Iraque. Os projectos implicados nestes acordos poderão gradualmente elevar a produção de crude no Iraque dos actuais 3 milhões de barris por dia para 10-12 milhões, dentro de 6 a 8 anos. Isto será suficiente para criar uma reserva de produção capaz de introduzir um efeito regulador nos preços, e capaz de absorver a descontrolada procura dos países emergentes (China e Índia). Desta forma, o Iraque poderá equiparar-se à Arábia Saudita, no seu papel de produtor/regulador do mercado.
É certo que se antevêem dificuldades: umas de natureza técnica (com destaque para o mau estado da rede de pipelines de transporte, e a escassez de água necessária para injecção nos reservatórios); outras de natureza política e de segurança no território. De tal modo que são muitos os que duvidam da possibilidade de atingir aqueles ambiciosos objectivos.
Um analista da área petrolífera do Morgan Stanley, o norueguês Ole Veil, afirmava há dias: “As estimativas para o Iraque são muito optimistas. Muitas empresas internacionais compram jazidas no Iraque e vêem nisso um novo Eldorado. Mas eu penso que deveríamos questionar-nos sobre se tais projectos são realistas”.
Em qualquer caso, ninguém espere que possamos voltar aos anos do petróleo barato e abundante, da década de 90. E isto porque o petróleo do Iraque tem associada uma elevadíssima sobrecarga, que é o custo da guerra. Desde 2003 até ao final de 2009, a guerra no Iraque terá custado aos Estados Unidos 750 mil milhões de dólares. E os custos continuam a subir, ao ritmo impressionante de 250 milhões de dólares por dia, não se sabe até quando. Significa isto que, se nos próximos 10 anos forem extraídos 25 mil milhões de barris, serão necessários 30 dólares por barril só para recuperar os custos já suportados com a guerra.
A concretização destes projectos (ao fim e ao cabo o prémio de que falava Cheney!) permitiria ao mundo respirar de alívio. Eles seriam o “balão de oxigénio” necessário para relançar a economia e desencadear a retoma. Porém, à semelhança do que aconteceu em 1980, existe o risco de a “ilusão de abundância” adiar investimentos em energias renováveis, ou retardar a urgente procura da eficiência energética, ou mesmo atrasar o desenvolvimento do automóvel eléctrico. Se isso acontecesse, o despertar subsequente poderia ser trágico. E a solução iraquiana vir afinal a revelar-se como o maior dos problemas.