Dentro do autocarro apinhado de gente no frenesi das prendas de Natal, calhou-me o carteirista. E em menos dum fósforo já tinha ido à vida meia dúzia de patacos, e a documentária toda: a do cidadão, a do contribuinte, a do condutor, a do paciente, a do cliente bancário, a do segurado, a do eleitor, a do associado, a do automóvel... Só um velho passaporte, perdido numa gaveta, ficou a ligar-me ao mundo, e a proteger-me das listas da emigração clandestina.
O agente de serviço aconselhou-me a comer as rabanadas e a deixar passar um tempo. Queria ele dizer na sua que ainda acontecem milagres, sobretudo em momentos de concórdia geral, de paz no mundo e de festas da família. Mas nada veio parar aos perdidos e achados. De forma que iniciei o novo ano a deitar o coração ao largo, a enfrentar a romaria dos guichés, a reconstruir as papeladas e a tirar algumas ilações. De proveito e bom exemplo, para que nem tudo fosse pura perda.
À primeira (quem diria?!), quem nunca foi engolido por tolo não sabe os ensinamentos que perdeu!
À segunda (é uma evidência!), mais vale trazer no bolso uma carteira própria, do que ter que picar outra qualquer!
E à terceira (dolorosa conclusão!), na nossa terra tão incompetentes são os donos das carteiras, como os picadores delas. Uns, por imprevidentemente tanto as desaconchegarem. E os outros pelo mau uso que fazem da sofisticada artilharia. Mais parecem ocupados nos danos colaterais, do que na resolução das próprias precisões. Mas por que haviam de ser, uns ou outros, a excepção à nossa regra geral?!