[Henrique O Navegador, jacente no Mosteiro da Batalha]
Em 1314, o rei Filipe O Belo massacrou em França os Templários, cuja Ordem foi extinta pelo papa Clemente V. Demasiada gente lhes criticava as práticas, e lhes cobiçava riquezas e poder.
Em 1317, o rei D. Dinis deu fundação em Portugal à Ordem de Cristo, um edifício erguido sobre caboucos templários, que buscaram refúgio em Castro Marim e depois se fixaram em Tomar.
O Infante Navegador (a figura mais enfarpelada no pano cru das lendas, e nos véus do mito, em toda a história portuguesa), foi a seu tempo seu governador. E assim os tesouros de uma Ordem deram nutrimento à empresa, e a cruz da outra Ordem ia pintada nas velas, quando as caravelas se fizeram ao mar.
Em 1444, aportou a Lagos uma caravela do Infante, que regressava da Gâmbia com 235 escravos a bordo. E em Lagos se inaugurou o primeiro mercado de escravos negros que a Europa conheceu.
Em 1452, as bulas do papa Nicolau V Dum Diversus e Divino Amore Comuniti, deram acolhimento aos argumentos lusos que alegavam as grandes despesas das navegações. E por isso lhes outorgaram o direito de filhar pagãos nas plagas africanas e reduzi-los à escravidão.
Em 1456, pela bula Inter Coetera, o papa Calisto III reservou para a Ordem de Cristo o direito de Padroado e jurisdição espiritual, "tanto nos lugares já adquiridos, como nos que vierem a adquirir".
E assim se juntou a fome com a vontade de comer. Com a bênção de Roma, a escravidão dos negros e o comércio respectivo tornou-se lugar comum e prática corrente. Portugal revelou-se não apenas o primeiro país a explorar a força do trabalho escravo num projecto de economia mista, em que coincidiam os interesses da corte, da nobreza fundiária e administrativa, e da burguesia comercial, mas também a utilizar cativos no seu próprio território, praticamente em todas as funções: nos engenhos do açúcar da Madeira, no desbastamento de matas, na secagem de pântanos, nos lagares de azeite, nos trabalhos agrícolas do reino, na construção, na estiva, a bordo de navios, nos serviços de aguadeiros, varinas, vendedores de carvão, e em todos os trabalhos domésticos. Inclusive como negros de ganho, pelas ruas.
No séc. XVII, os jesuítas combateram tenazmente as tentativas dos colonos brasileiros de aplicar a escravidão aos índios. Por um lado os índios não eram domesticáveis, sendo impossível escravizá-los ao trabalho. Morriam, suicidavam-se, preferiam a aniquilação. E por outro os jesuítas precisavam deles, para o seu proselitismo, para a conversão à fé, para as estatísticas a esgrimir em Roma. Agrupados em aldeias, integrados em missões, os índios deixavam-se fascinar pelas luzes dos rituais, pelo brilho dos altares, pela música dos cultos, pela teatralidade barroca em que os Vieiras eram mestres.
Porém os jesuítas nunca fizeram isso em relação aos negros, de quem se duvidava que tivessem alma. Portugal, arrastado a construir um império que nunca chegou a ter, mas que bastou para o arruinar, desencontrou-se, até hoje, com a história. E acabou sendo o maior traficante de escravos negros da idade moderna.