E logo assim, o nosso homem na Holanda! Deito-me a adivinhar que não era preciso tanto. Que bastaria a Rentes de Carvalho, e a nós todos, não o ter omitido da paisagem literária desde há trinta anos.
Ao longo desse tempo, o homem divulgou lá por fora as coisas da nossa cultura e da nossa índole, e foi tecendo a sua vasta teia (agora ficção, logo mais ensaio antropológico), a qual recebeu por lá vastíssima recepção. Editado e reeditado, ainda hoje é lido e apreciado por aquelas paragens.
Não foi assim por cá, onde apenas teve acolhimento dum editor falido. Publicistas, divulgadores, críticos, editores e outros deuses tutelares do meio limitaram-se a omiti-lo, mesmo se o conheciam. "Em Portugal o bolo é pequeno!"- explica ele, a observar-nos de longe. E primeiro servem-se os oficiantes! - entendemos nós. Os santos padroeiros que distribuem bênçãos aos turiferários, e consomem o tempo a promover capelas, a amamentar irrelevâncias. A realidade e a lucidez crítica não os preocupam, não é com isso que se faz a vidinha. A mentalidade de sacristia que reina dentro da cabeça dos portugueses e fora dela não é preocupação sua. Pouco lhes importa que Portugal seja um anacronismo, que se reproduz indefinidamente como as cabeças da hidra. E a alienação bovina dominante faz-lhes jeito.
Há pouco tempo, uma conjugação astral certamente feliz trouxe enfim Rentes de Carvalho a Portugal. E a Quetzal deu início à edição sistemática da sua obra. Depois de Com os Holandeses e Ernestina (a saga dum certo Portugal, para o qual ainda não criámos substituto), virá em breve A Flor e a Foice, sobre o momento fulcral da vida dos portugueses, que foi o 25 de Abril.
Infelizmente chega muito tarde, e é da obra que falamos. A ele, os jornais entrevistam-no, os blogues fazem-lhe referência, a rádio dá-lhe voz, as revistas concedem-lhe páginas. Uma delas intitula-o o nosso homem na Holanda.
Grande é a fortuna de Rentes de Carvalho. Na nossa atarefada história, casos houve que levaram duzentos anos até chegar aí. Quando não mais.