A venda do Damião era a um canto da Devesa, mesmo ao cimo do Largo, em frente duns negrilhos que morreram. No sobrado moravam os locandeiros. E nos baixos, a um lado, ficava a mercearia, que sibilas discretas às vezes arriscavam: meio litro de petróleo da candeia, duas velas de sebo para as botas do meu homem, um cartucho de arroz de horas em quando, uns paulitos para o lume.
Do outro lado era a porta da taberna: uns copitos ruidosos, uma rodada às vezes, a mesa do chincalhão. E às tardes quentes de Verão havia quem viesse de mais longe, à patuscada: tomates cortados num barranhão, cebolas às rodelas, duas latas de atum e uns pichorros do tonel. O vinho era da casa, às vezes baptizado. Mas a cepa era de casta e resistia ao baptizo.
Quando os negrilhos morreram, o velho Damião seguiu-lhes o destino. No Largo a venda fechou e a taberna ficou sem serventia.
Até que um dia chegaram ao mesmo tempo a liberdade e a agitação civil. E um herdeiro apanhou este comboio e entrou na vida política. No início foi edil local, mais tarde chegou a deputado. Ganhou importâncias novas, imaginou influências, viu aumentado o tamanho da sombra. E decidiu restaurar a venda do Damião.
Faltava-lhe porém um varandim, com telhadinho em aba, onde as cansadas pernas do deputado pudessem estender-se. E ele avançou rua adentro, plantou no domínio público os merlões senhoriais. A junta ainda protestou. Bem lhe valeu protestar!