D. Nuno Álvares Pereira, já beato há muitos anos, lá foi graduado em santo. Que os santeiros do Vaticano não perdem a pitada. Não lhes estremece o peito, se a crise fecha uma fábrica onde se ganha o pão. Mas fechar uma olaria onde se fabricam santos, isso não.
Aproveitaram o olho da dona Guilhermina, que um salpico de óleo molestou quando fritava o sável, ali à beira do Tejo. Deram-no como milagre e arrumaram o caso. E D. Nuno, que já era do panteão dos heróis, acumula agora com o dos santos.
Dá-se o caso que, com este envolvimento, os santeiros do Vaticano atingiram de flanco os castelhanos, ultimamente relapsos e muito contumazes às decretais de Roma. Nada melhor que um santo lusitano, e logo este, só para lhes meter o ferro, honni soit... Mas deixemos de lado o pormenor, não vá dizer-se que fazemos processos de intenção, a quem nas intenções e nos processos delas nos mete a nós num chinelo.
Logo exultaram os sacristães patriotas, que trazem sempre a pátria nas palminhas. Com mais unção sacrificam ao mito que à verdade, porque o mito lhes traz mais dividendo.
Que o D. Nuno inventou um quadrado e a sua táctica, com que havia de arrasar os castelhanos. Ora o quadrado já existia há muito, talvez desde os começos do mundo. E a táctica trouxeram-na os ingleses, e um uso novo da cavalaria, e os abatises, e os fossos, e as covas-de-lobo. Tinham-nos aprendido nas guerras da Escócia, e usaram-nos em Crécy, e em Poitiers, e mais tarde em Azincourt, sempre que lhes vinha a jeito esmagar os franceses.
O próprio S. Jorge era um alienígena, que veio de Inglaterra a servir de patrono, a opor-se ao Santiago Mata-Mouros. Mas a febre dos sacristães levou-os a exacerbar o desapego do herói aos bens terrenos. Esquecem que herói e santo foram ao mesmo tempo, e na mesmíssima pessoa, refinados chantagistas. Ou el-rei satisfazia as exigências de feudos e poder, ou lançavam ao tapete a toalha patriótica. A coisa foi de tal monta, que o príncipe sucessor acabou a lastimar que o pai lhe deixasse apenas as carreteiras das cabras. Que o reino onde elas pastavam tinha donos.
Estão muito bem uns para os outros! Os oleiros do Vaticano, que ganham bem a vida fabricando santos. Os aldrabões idólatras indígenas, cujos mitos arredondam dividendos. E D. Nuno, que afinal foi graduado. É graduação um tanto pós-moderna, mas não deixa de contar para o currículo.
Pior vai só à dona Guilhermina, se um pingo de óleo lhe for ao outro olho, quando repetir o sável. É que o D. Nuno agora está servido, já não precisa de gastar mais tempo com atrasados mentais.