Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
No passado dia 21 de Julho, teve lugar no auditório da estação do metro do Alto dos Moinhos uma mesa redonda sobre um tema candente: os investimentos previstos para as Obras Públicas. O evento foi promovido pela Adfer, a Associação dos Amigos do Caminho de Ferro. E o seu representante avisou à partida que a discussão ia ser entre economistas e engenheiros. Assim liminarmente excluído, redobrei de atenção e registei as intervenções.
Os economistas estavam em maioria, que eram três: Eduardo Catroga, António Mendonça e Victor Bento, este logo “parabenizado” como novo Conselheiro de Estado. Ao team dos engenheiros pertencia o anfitrião, Mário Lopes, da Adfer, acompanhado por Fernando Santo, o bastonário da Ordem.
Não arrisco que o debate tenha sido esclarecedor. Antes lamento que ali tivesse havido mais confusão e menos esclarecimento. Como um qualquer “Prós e Contras”, em que toda a gente parece ter razão. Encontrei argumentos da emoção à mistura com outros mais racionais, e creio que se falou em demasia na primeira pessoa, atendendo à circunstância. Ficou no ar a suspeita de que há “culpados” de precipitação em algumas decisões, mas não foram nomeados. Foi particularmente lamentada a extinção do Conselho Superior de Obras Públicas.
Disse-se que o TGV para Madrid foi negociado à pressa. Que ele interessa sobretudo aos espanhóis, correndo nós o risco de passarmos a ser mais uma região autónoma de Espanha. Que o mesmo não será rentável, tendo em vista a escassa utilização da auto-estrada A6. E que a situação económica do país não vai permitir a sua construção. Diz Catroga, e logo Bento reforça:
- Não se construa, pelo menos para já!
Logo discorda Mendonça:
- Pois construa-se! É uma oportunidade a não perder, porque o pior é ficarmos parados! Vejam só o que teria sido, se não se tivesse construído a ponte 25 de Abril! Se vamos deixar aos nossos filhos o passivo, há que deixar-lhes também os activos! Olhem para o caso da Irlanda, não quis fazer auto-estradas, investiu na tecnologia e na educação, e agora está pior que nós. E ainda por cima não tem obra feita.
Uma voz na assistência chama à colação a “falácia” do novo aeroporto, e logo explana o conceito: é uma mentira apresentada como se fosse uma verdade. Quando a verdade é que a procura de passageiros está a diminuir.
- Aguente-se a Portela, temos tempo! Façam-se os estudos de pormenor para evitar derrapagens nos custos! Sejamos realistas, se o novo terminal de Barajas custou 8 mil milhões, como é que se quer fazer todo um novo aeroporto com 3 mil milhões?!
- Nada disso, haja juízo, o aeroporto é a nossa janela para o mundo, pensemos no turismo!
- Faça-se então! – diz a Adfer - mas corrija-se o absurdo da TTT (terceira travessia do Tejo) para o Barreiro! Lance-se para o Montijo, mais directa, mais barata, mais elegante, e leve-se a linha do Norte pela margem esquerda até alturas de Santarém!
Algum consenso chegou quanto às novas auto-estradas: acabar com exageros, e considerar apenas as excepções. E, se é verdade que o plano rodoviário só está cumprido em 60%, também é verdade que a dívida externa, de 60% do PIB há dois anos, ronda agora os 100%.
Consenso existiu também no mais simples e trivial: as exportações portuguesas para a Europa além Pirenéus, através da ferrovia, valem zero, por causa da bitola. Mude-se pois a bitola para a da rede europeia, refaça-se a ferrovia natural para a Europa pela Beira Alta e Vilar Formoso, e negoceie-se com urgência a continuação espanhola, entre Fuentes e Valladolid. Porém esta questão parece arredada da discussão, nas mais altas instâncias governamentais.
Fique ainda registado um alerta do bastonário da Ordem dos Engenheiros: Portugal importa 85% da energia que consome, e 75% dos bens alimentares que chegam às nossas mesas, uma vez que se destruiu o sistema produtivo no sector agrícola e nas pescas. Estamos falidos e pobres, mas temos ambições de ricos, parecia querer dizer. Foi o momento mais alto da sessão.
O professor Catroga ensinou ainda que Portugal apenas teve uma balança comercial positiva em 1941, durante a guerra. Que a década terminada em 2007 foi, em termos de crescimento, a pior dos últimos 80 anos. E que só em 2014, na melhor das hipóteses, o nosso PIB vai regressar aos valores de 2007. No meio da discussão entre dois economistas, que avaliavam o impacto futuro das Obras Públicas no PIB, falava um de 0,1%, enquanto o outro subia a parada para 8,3%. Aqui fica o registo, apenas para ilustrar a ordem de grandeza da baralhação.
Estas coisas só acontecem assim, concluo eu, porque falta às elites dirigentes uma estratégia para o país. Uma linha geral, um rumo, uma orientação. Aos políticos apenas preocupam as próximas eleições. Os economistas e engenheiros fazem lembrar autistas centrados no umbigo. Só faltou a agudeza retórica dos juristas.
Parece que aos restantes cidadãos sobra apenas o aviso de Einstein: se querem resolver um problema, não confiem a solução àqueles que o criaram.