Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente do grupo Marktest e membro da ASPO Portugal
Na tendência que temos, nós os portugueses, de nos considerarmos o centro do mundo, andamos a falar dum TGV Lisboa-Madrid, quando, em boa verdade, devíamos falar no TGV Madrid-Lisboa. Com efeito, esta ligação faz todo o sentido na perspectiva espanhola: ligar Madrid a Lisboa é completar a rede de alta velocidade que há-de ligar a capital espanhola aos vértices do polígono ibérico. Lisboa será mais um desses vértices, tal como já são – ou vão ser no futuro - Sevilha, Valência, Bilbau, Barcelona e a Coruña. Esta ligação terá como principal efeito reforçar a centralidade ibérica de Madrid e acentuar a periferia de Lisboa. Servirá mais para trazer os espanhóis a Lisboa, e menos para levar os portugueses para a Europa.
A “distância” entre Madrid e Lisboa, consequência dum hinterland pobre e pouco povoado, foi o que historicamente alicerçou a existência de Portugal como país independente. A geo-morfologia do território não favorece um corredor natural a ligar as duas capitais. Nem sequer existe um centro urbano de média importância a dividir o caminho e a atenuar a jornada, pois nem Badajoz, nem Cáceres ou Mérida cumprem esse papel. E a Évora da nossa imaginação nunca esteve no caminho de Madrid. Razão tinha Oliveira Martins, ao espantar-se com o facto de os grandes rios ibéricos serem cortados perpendicularmente pela fronteira. Porque eles – e o Tejo em particular - nunca foram traço de união, nem vias de penetração.
Com a drástica redução da “distância” para Madrid, prometida pela alta velocidade, a “Costa Oeste” da Europa pode afinal ser apenas la playa madrileña. E o aeroporto de Barajas, a menos de três horas de Lisboa, será também o nosso aeroporto. O que D. João de Castela não conseguiu em Aljubarrota, nem D. Filipe IV nas guerras da restauração, pode vir a ser conseguido pelo TGV. Refiro-me à conquista de Lisboa. E a terceira travessia do Tejo vai ser a passadeira que estendemos, para a entrada triunfal de nuestros hermanos em Lisboa.
Esta pacífica invasão, anunciada pelo TGV que virá de Madrid, traz-me à memória Eça de Queirós. Cônsul em Inglaterra em 1878, o escritor pensou em escrever um romance - A Batalha do Caia. O argumento era simples: Portugal é invadido pela Espanha e humilhado na sua dignidade de nação secular. Com ele esperava Eça de Queirós exaltar a independência nacional e avivar a consciência colectiva para superar o “rebaixamento” sofrido. O romance nunca foi publicado, mas ficou um conto - A Catástrofe - a atestar a sua ideia.
Estou convicto de que o nosso Eça, que foi cônsul em Newcastle e Paris, e foi um dos nossos grandes europeístas do século XIX, nunca terá passado por Madrid. Naquele tempo, a Europa começava nos Pirenéus. E a ligação de Portugal à Europa, já feita pela via férrea, não passava por Madrid. Passava, e ainda passa, por Salamanca e Valladolid, pelo caminho do Sud-Expresso até à fronteira de Irun… É também esse o caminho dos milhões de emigrantes portugueses que vivem e trabalham na Europa, e aos quais o TGV de Madrid de pouco ou nada servirá.
Enquanto país, Portugal tem que ter uma estratégia em relação ao futuro. E essa estratégia passa, em primeiro lugar, por uma definição clara da sua relação com a Espanha: ou União Ibérica, ou reforço da independência nacional. A construção do TGV de Madrid para Lisboa, de que hoje tanto se fala, não pode ser desligada dessa estratégia. Para o melhor e para o pior! E o debate sobre a sua construção não deve ser deixado apenas aos engenheiros que a aprovaram, ou aos economistas que agora a vêm recusar.
Confesso que gosto de Madrid e dos espanhóis. E agrada-me a ideia de tomar o pequeno-almoço em Lisboa, ir almoçar a Madrid, visitar o Museu do Prado e regressar a casa, ainda a tempo de jantar. Mas antes disso preferia ver um Sud-Expresso moderno, a correr veloz pela Meseta Ibérica, cheio de emigrantes e imigrantes. Uns e outros deixando de pagar, desta maneira, o seu tributo de sangue às estradas espanholas.
Terá sido profética a intenção do Eça, e da sua fracassada “Batalha do Caia”?