quarta-feira, 8 de julho de 2009

A mulher do viaduto

O comboio, com lotação completa, tinha saído à tabela, como é sua obrigação. Mas passado um quarto de hora parou imprevistamente, e ficou ali plantado na vastidão da lezíria. Os passageiros miraram a paisagem, trocaram olhares perplexos, remexeram os costados nas poltronas. Depois disso regressaram ao jornal e aos ecrãs dos seus portáteis. Mesmo a avó, que vinha a ler ao neto a história duma princesa, resolveu continuar.
Um ror de tempo depois ouviu-se um altifalante, atenção sores passageiros, este comboio encontra-se retido, por motivo de incidente com pessoa, em plena via.
O aviso provocou leituras desencontradas. Até que apareceu um hermeneuta e explicou o sucedido: uma mulher lançou-se dum viaduto, na altura em que o comboio ia a passar.
Houve peitos que ali estremeceram. Mas porém estavam parados há uma boa meia hora, e até a avó das fábulas da princesa suspirou que a tal mulher escolhesse outro comboio. Para bom sossego do mundo.
Logo estalaram telemóveis, a transmitir a notícia aos quatro ventos. E quando finalmente alguém abriu as portas, foram descendo à linha os passageiros.
Eu quis tirar, de longe, uma fotografia. Mas o pé que atirei à vala seca logo se afundou num lodo movediço. E uma senhora que aventurou os dois foi recuperada a custo, em arriscada operação de salvamento. Foi então que um viajante pôs ao ombro uma mochila e desandou linha fora, Lisboa estava ali a uns trinta quilómetros.
Passei o dia de calça arregaçada. E cheguei a casa à noite, com três quilos a mais no pé direito, o estômago a ladrar de fome. Da mulher do viaduto não se voltou a falar.