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Foi contra o rochedo da consciência de classe dos radicais-socialistas que a Frente Popular acabou por despedaçar-se. Os liberais desertaram dos partidos proletários. Temiam que, continuando eles associados a Léon Blum, o país avançasse demasiadamente para o socialismo. Era esta uma estrada que não queriam trilhar.
Blum procurou salvar a coligação anunciando uma pausa no programa de reformas sociais. Mas a concessão era insuficiente. Daladier rompeu o pacto, mas logrou conservar-se à frente do gabinete, angariando o apoio do centro e da esquerda para um programa que "distribuía de maneira mais equitativa" as despesas da colossal campanha de armamentos: quer isto dizer que o fardo tornava a passar para os ombros dos operários e da pequena burguesia.
A nova administração de Daladier começou a demolir a obra da Frente Popular, de tal modo que dentro em pouco as vantagens conquistadas pela classe trabalhadora estavam completamente abolidas. Para este fim foi-lhe preciso governar por decretos, com poderes excepcionais, que lhe concederam a direita e o centro. Já não lhe corria a obrigação de consultar o parlamento.
Daladier poupou assim, a si mesmo e aos seus correligionários liberais, o constrangimento de ter que debater e votar medidas para desfazer o trabalho realizado alguns meses atrás por eles mesmos, em união com os socialistas. Tinham-se voltado contra a democracia porque descobriram que ela não pode permanecer estática (...): ou a democracia concede facilidades iguais aos elementos que estão por baixo, ou está condenada a morrer.
Sobreveio então o período que as gerações vindouras conhecerão como a Era da Grande Confusão. Em vão se há-de buscar nos fastos da história da França um outro momento em que fosse tão geral a ansiedade pelo futuro do país e tão profunda a inquietação. Em lugar daquela excepcional intensidade de sentimento nacional e patriótico que se manifestara no primeiro ano da Frente Popular, quando a esperança, o idealismo e a coragem alcançaram proporções verdadeiramente heróicas, uma imensa lassidão assaltara a França, um desalento como jamais fora visto outro igual, mesmo nos períodos mais angustiosos da primeira guerra mundial. (...)
Todos aqueles com quem eu falava, pessoas totalmente desconhecidas por vezes, opinavam que o país, abandonado, ia-se arrastando sem rumo, e que o fim bem podia estar à espera na primeira curva da estrada. O espírito que faria invencível a França, e que a nova ordem despertara três anos antes, tinha desaparecido. (...) Em 1939 o sentimento de desilusão popular engendrara uma atitude de indiferença total e o cínico "je m'en foutisme". (...) Não havia ânimo para lutar, porque o povo não tinha confiança num governo e num alto comando cujos princípios em nada se diferençavam da ideologia do inimigo fascista.
"A fim de que a França pudesse defender-se convenientemente", dizia-se ao povo que "os direitos civis e democráticos deste precisavam de ser drasticamente amputados. Era mister reduzir os salários. O exército necessitava de tanques, aviões e material motorizado. Portanto as massas deviam forçosamente imitar o exemplo dos alemães, e passar sem manteiga". (...)
E se porventura os pobres não aquiescessem a este programa, se mostrassem inclinação para se opor aos métodos fascistas do governo, para que estavam ali os pretorianos de Daladier, os gardes civiles de capacete negro, que com o tempo vieram a aquartelar-se em todas as comunas onde houvesse uma alta percentagem de operários? (...) Colocados sob a administração do Ministério do Interior, formavam uma força policial de elite, tal como a Ovra na Itália, ou a Gestapo no Reich. (...)
Em caso de guerra, postar-se-ia um batalhão de gardes civiles, mais bem armados, atrás de cada regimento, na linha de batalha. E com efeito essas guardas de elite do fascismo seguiram para o front, quando estalou a guerra, elas e as legiões negras do Senegal, a fim de manter em posição as tropas francesas. Dois importantes periódicos ingleses, The New Statesman e The Manchester Guardian, afirmaram que um número maior de soldados franceses foi executado pelos gardes civiles durante os oito primeiros meses de guerra, do que os mortos pelo inimigo.
Ignoro até que ponto isto é verdadeiro. Mas se o é, os gardes civiles de 1940 fizeram o mesmo que os seus predecessores tinham feito na última guerra. Segundo narra, em Les Cahiers de Moleskine, Jean Giono, que tomou parte na conflagração de 1914, colunas intermináveis de soldados eram obrigadas a passar entre duas filas de casse-têtes com que se lhes faziam saltar os miolos "um por um, durante horas e dias a fio". Foi por ter feito esta revelação, seja dito de passagem, que Giono foi preso imediatamente quando estalou a guerra em 1939 - e com ele os adeptos do movimento denominado Patrie Humaine. (...)