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Como podia alguém esperar que diplomatas franceses que pertenciam aos trusts franco-germânicos de munições; ministros que mandavam as esposas e as amantes a Berlim, Munique e Viena para se entreterem em companhia dos bonzos nazis; financeiros que eram vistos quase todas as noites nos salões de M.me des Portes, da Marquesa du Crussol e de M.me Georges Bonnet, de braço dado com von Abetz, Sieburg, Arnheim, Funk e outros emissários de Goebbels e Ribbentrop; cardeais e bispos que regressavam das suas visitas periódicas ad limine deslumbrados pelo estado corporativo de Mussolini, de que se tornavam animosos campeões; generais que, a exemplo de Castelnau e de Weygand, eram os cérebros inspiradores da ordem dos cagoulards, uma sociedade secreta, terrorista e anti-semita que adoptava o manto e o capuz do Ku Klux Klan; jornalistas como os directores de Le Temps e Le Figaro, que, segundo ficou provado, recebiam subsídios de Berlim e de Roma; magnatas como Pierre Laval, Flandin e o coronel de la Rocque, que exultavam com a rendição verificada em Munique; e finalmente estadistas que tratavam os representantes no Parlamento como colegiais e governavam por decretos, pela mordaça da censura e a ameaça das metralhadoras dos gardes mobiles - como podia alguém esperar que essa multidão, reaccionária e corrupta fosse capaz de conduzir o povo francês a uma vitória da democracia sobre o fascismo, eis o que o nosso espírito não consegue compreender. (...)
Mas uma coisa não foi dita, salvo nos panfletos e opúsculos das minorias esquerdistas: que a democracia francesa fora amordaçada e manietada, antes de começar a luta. Sim, a sinistra verdade é que os próprios políticos que conduziam a dança em 1940 sacrificaram o povo francês numa guerra que não só estava perdida antes que se desse o primeiro tiro, como fora por eles deliberadamente votada à derrocada.
Não ponho em dúvida que houvesse agentes inimigos em actividade, antes da ofensiva alemã e durante esta (...). A obra desses insignificantes agentes nada foi, porém, em confronto com a da Quinta Coluna, os verdadeiros aliados de Hitler na França, que se achavam comodamente instalados no Ministério da Guerra, nos gabinetes parlamentares, e até no Palácio dos Inválidos, sede do comando supremo. O elemento traidor, na França, não constituía uma organização clandestina de corruptores e saboteurs. Era composta de franceses natos, sem ficha na polícia e jamais molestados por ela, todos eles senhores altamente respeitáveis, e além disso ultra-patriotas: generais, grandes industriais, políticos veteranos e proprietários de jornais, que nunca puseram o pé numa assembleia de pacifistas e cujo interesse pelas ideologias estranhas se limitava a condená-las e a amaldiçoá-las.
A coisa que esses homens menos desejavam era uma vitória democrática para a França, o que acarretaria naturalmente e vitória dos princípios democráticos também na Alemanha, e presumivelmente a criação de uma nova ordem social na Europa depois da guerra: talvez uma federação de estados europeus pelo livre consentimento dos povos e uma economia unificada que, em vez de operar em proveito exclusivo de um grupo particular, satisfizesse as necessidades e assegurasse o bem-estar de todas as classes e de todos os grupos, nas diferentes nações europeias.
Tal era, para esses homens, o espectro pavoroso que entreviam atrás da vitória da democracia. Odiavam a democracia como a própria peste, porque o desenvolvimento das instituições democráticas ameaça a condição privilegiada da classe que eles integram na sociedade. O que queriam era o fascismo, porque este protege os interesses da classe a que pertencem, e faz da sua inviolabilidade a primeira preocupação do Estado.(...)
Já alguém disse que o povo francês estava tomado de estupor, naquelas horas trágicas em que a fatalidade pesou sobre o seu país. Tal coisa sucedeu, na verdade, ao povo francês, mas não a Weygand, Laval e Pétain. Esses homens não procuravam rumo. Moviam-se com a precisão sonâmbula de um Adolfo Hitler. Sabiam o que estavam fazendo. Eles e a sua classe fizeram, em Julho de 1940, o que havia muito tempo tinham projectado: valer-se da vitória militar dos alemães como de uma mercê divina, uma oportunidade suprema para impor a canga da servidão à cerviz do seu povo.
Em Junho de 1940 patenteou-se o sentido destas palavras, impressas num título a seis colunas, em Junho de 1936, pelo principal órgão fascista da capital francesa, Le Jour, no dia em que a Frente Popular assumiu o poder: "Plutôt Hitler que Blum!" Antes Hitler que Blum!