Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Por causa desta crise maldita, a velha Europa, berço e matriz da civilização global, vive momentos conturbados e está numa encruzilhada. De repente, os estados deram-se conta de que os “deficits” e a dívida estão a corroer as economias, e que é urgente tomar medidas. A União Europeia, que parecia uma sólida construção, mostra algumas brechas e ameaça desmoronar-se. O Euro já não é a “cola” forte que se julgava ser para cimentar a União. E até já se questiona a sobrevivência do “estado social”, essa conquista do pós-guerra julgada “irreversível”, e que é o mais forte estabilizador das democracias.
Estão a esgotar-se os recursos energéticos e minerais da Europa: na Inglaterra e na Alemanha já não se extrai carvão das minas; na França a energia eléctrica é produzida em centrais nucleares; mas a França não tem urânio, e tem de importar todo o que necessita para alimentar as suas centrais.
O petróleo do mar do Norte (que muito contribuiu para resolver a crise associada ao choque petrolífero de 1980) está num processo de lento mas inexorável esgotamento, a tal ponto que a Inglaterra, de país exportador, passou a importador, desde 2006. O mesmo se passa na Noruega que, por causa do petróleo, não quis pertencer à UE, e que tem visto decrescer a sua produção e exportação de gás natural e de petróleo.
O gás natural (que aquece as casas do europeus no Inverno, e alimenta muitas das suas centrais eléctricas) é outro dos grandes problemas na Europa. Talvez mesmo o maior, sob o ponto de vista energético. A produção interna europeia de gás natural está a diminuir continuamente, e dentro de 10 anos a dependência externa será superior a 60%. A forma mais conveniente e mais barata de importar o gás natural é por “pipeline”. E, nesse aspecto, a Europa está actualmente dependente da Rússia e do Norte de África. Espreita para as grandes reservas da Ásia Central, do Irão e do Qatar, e planeia construir, através da Turquia, um gasoduto para lá chegar, o Nabuco. Com isto vai-se aproximando do "vespeiro", e ameaça entrar nas coutadas energéticas dos EUA, da China e do Japão, com consequências ainda imprevisíveis.
A dependência energética da Europa é, a prazo, o seu principal problema. Sem energia, ou com energia cara, não há crescimento económico. Ora o nosso actual modelo económico baseia-se num sistema de crédito, alimentado, e só possível, pelo crescimento da economia. É isso que permite (tem permitido, até agora) criar dívida de forma continuada. E surge a clássica pergunta do ovo e da galinha: é a falta de crescimento que provoca a falta de crédito, ou é a falta de crédito que provoca a falta de crescimento? Porque é que não há crescimento? - perguntará alguém. São os recursos, menino! - responderia o Eça. É que a história do ovo e da galinha está mal contada, galinha e ovo não chegam para gerar o "pinto". Faz falta o galo, que todos excluem da adivinha.
Ora, no caso da Europa, o galo é a energia. A Alemanha, "oficina" e motor económico da Europa, e um dos maiores credores dos próprios países europeus em dificuldades, sente-se ameaçada pela concorrência tecnológica da China, da Índia, e até do Brasil. E vê com preocupação a crise dos vizinhos que vão deixar de comprar-lhe os BMW´s.
Enfim, só problemas, e poucas soluções à vista. É minha convicção que, a médio/longo prazo, a Europa e a Rússia vão ter de entender-se. É um casamento de mútua conveniência, uma vez que se trata de países cultural e historicamente próximos e com economias complementares. Para a Rússia é a forma de contrabalançar o crescente poderio da China. Para a Europa é uma forma de resolver o problema energético e, ao mesmo tempo, abrir um vasto mercado e um vasto território aos seus produtos e à sua tecnologia. Os Estados Unidos verão nisto uma traição ao espírito da Nato, e não irão apadrinhar este eventual enlace. A Inglaterra vacilará, e a tensão poderá regressar ao Velho Continente.