terça-feira, 8 de junho de 2010

A mobilidade

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal

A minha avó paterna nasceu, cresceu e viveu numa remota aldeia da Beira Alta, e ali morreu com mais de 90 anos. A viagem mais longa que realizou – já no fim da vida – foi à cidade da Guarda, que dista cerca de 50 kms da aldeia natal. Por aqueles lugares, casos como este eram a norma desses tempos.
Num breve lapso de tempo de apenas duas gerações tudo mudou! Um dos aspectos que caracteriza o mundo global dos nossos dias, e o faz tão diferente do mundo da minha avó, é a grande mobilidade das pessoas. Mobilidade que hoje está associada, sobretudo, ao automóvel e ao avião. E, indirectamente, ao combustível que os faz mover: o petróleo.
A mobilidade transformou o nosso modo de viver. E modificou a própria paisagem, agora rasgada pelas grandes vias de comunicação, e balizada pelas luminárias das grandes cidades aeroportuárias. Fez nascer o turismo, o sector que mais gente emprega a nível mundial, deu vida aos subúrbios das grandes cidades, criou o "Centro Comercial”, secundarizou a vizinhança, e desfez a pequena comunidade. O automóvel e o transporte aéreo, juntamente com o desenvolvimento das telecomunicações, foram os principais factores responsáveis pela urbanização e pela globalização.
Criámos, entretanto, uma extrema dependência dessa mobilidade. Os jovens começam a ter o seu carro logo aos 18 anos; viagens que antes se faziam a pé fazem-se hoje de carro, às vezes até mesmo viagens incrivelmente curtas. As casas de férias, o trabalho longe da residência, só são possíveis com o automóvel. As próprias cidades estão desenhadas para o automóvel e não para as pessoas. Quase toda a actividade económica depende da mobilidade, e do transporte de mercadorias que ela permite.
Para os jovens de hoje, que não conheceram outros tempos, é muito dificil imaginar a vida sem automóvel e sem aviões. Mas a mobilidade, tal como a conhecemos, está ameaçada, e uma das consequências do "pico do petróleo" será a sua drástica redução. Não tenhamos ilusões: o automóvel eléctrico não será um sucedâneo do automóvel com motor de combustão interna, e não o vai substituir. Para o avião e para o camião de mercadorias não existem alternativas energéticas aos derivados do petróleo. A mobilidade no futuro será, pois, muito mais reduzida. E, por causa disso, o mundo do futuro será muito diferente do que hoje conhecemos, e convém que nos vamos preparando para isso.
A minha avó nunca viu o mar, e o mundo dela era mais pequeno do que o nosso. Mas talvez só na aparência isso assim fosse. Ela conhecia as ervas do campo, sabia entender os sinais que prenunciam a chuva ou o bom tempo, palmilhava os caminhos até gastar as solas dos sapatos, ou a madeira dos tamancos. Sabia cultivar a terra e tinha uma burra preta. Criava galinhas, e bebia o leite de uma cabra que ela cuidava e os netos pastoreavam. Secava as flores da macela, as flores do sabugueiro e as folhas da cidreira, e fazia com elas o chá que tomava para tratar das suas mazelas. A minha avó não sabia o que eram férias, nunca recebeu reforma, nunca usufruiu das benesses de um serviço de saúde.
Mas por muita nostalgia que eu sinta ao recordar o mundo da minha avó, sei que não iremos regressar a ele. O tempo não volta para trás, e o mundo do futuro não será um “regresso ao passado”. Temos de encontrar uma nova forma de prosperidade. O caminho para ela existe, e temos de acreditar que vale a pena fazê-lo.