Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Há tempos, chamou-me a atenção um artigo escrito em 1900, que continha um conjunto de previsões, ou antevisões, para o ano 2000. Foi publicado no “The Ladies Home Journal”, uma revista americana, e ainda hoje a sua leitura faz as delícias de quem o lê. Uma outra publicação de 1910, neste caso uma sequência de "quadros", mostrando uma antevisão do ano 2000, pertencentes a uma colecção da Biblioteca Nacional de França, ajuda-nos a conhecer a percepção que os nossos avós tinham do futuro.
Confrontando a realidade dos nossos dias com as previsões ali apresentadas, chega a ser chocante a “ingenuidade” dos autores, tanto do artigo como dos "quadros". Mas vale a pena revisitar e reflectir sobre estas conjecturas, pois elas ajudam-nos a entender a mentalidade de quem as produziu, a compreender melhor o mundo que nos rodeia, e até a própria dinâmica da evolução das ideias ao longo dos tempos. Podemos até sentir-nos estimulados a fazer o exercício de tentar antever o mundo daqui a 100 anos.
É certo que, há um século atrás, o ano "2000" era uma data mítica, vista em simultâneo como fim de século e como fim de milénio. Isso, julgo eu, ajudava a inflamar as mentes. Por outro lado, o tempo futuro parece mais extenso do que o tempo passado. A nossa mente habitua-se a olhar para uma data futura como representando uma “distância” enorme, e que depois nos parece muito mais curta do que havíamos imaginado. Quando apareceu o “1984” de Orwell ou o “2001 Odisseia no Espaço” de Kubrick, parecia que o tempo que faltava havia de permitir realizar todos os sonhos. E, afinal, essas datas, vistas pelo "retrovisor" do tempo, estavam “logo ali”.
Nestas previsões de há 100 anos sobressai uma crença ilimitada na tecnologia. A electricidade é ali apresentada como uma coisa milagrosa. Fala-se ingenuamente de navios movidos a electricidade cruzando o oceano, como se a electricidade pudesse ser transportada a bordo de um navio. E, constatamos hoje, a incapacidade de, nesse tempo, se perceber aquilo que foram os verdadeiros grandes saltos tecnológicos: a televisão, a informática, a internet, e até o avião. O carvão era a forma energética que tinha revolucionado o mundo e tinha conduzido ao progresso. Mas já se apresentava como uma coisa do passado, algo sujo e desinteressante. E que, acreditava-se, a energia eléctrica iria tornar obsoleto. O petróleo era conhecido, mas o seu potencial estava por adivinhar. E o nuclear nem sequer era imaginado.
Em 1900, o mundo ainda estava extasiado com os ecos da Exposição Universal de Paris, e vivia-se uma revolução tecnológica. Parecia não haver limites para os sonhos do homem. Júlio Verne, melhor que ninguém, encarna esta visão nos seus livros. Entre nós, ficou-nos a “Cidade e a Serras” do nosso Eça, que confronta o “novo mundo”, isto é, a civilização, com o campo ou as serras. E que, ao arrepio da tendência dominante, toma partido pelo campo e desaprova as “modernices” de Jacinto, que morava nos Campos Elísios e já tinha elevador.
Não se falava de limites do crescimento, e questões como o esgotamento dos recursos, a poluição ou o aquecimento global nem sequer eram afloradas. Falava-se do progresso, dum Mundo super-organizado, mas não se antecipavam os custos da complexidade que isso iria provocar.
Apesar de tudo, nas previsões do "Ladies Home Journal" impressionam alguns acertos. Fala-se do telégrafo, do telefone universal, do envio de imagens a longa distância, e da perfeita reprodução fotográfica da cores da natureza. Até já se dizia que os homens do futuro iriam ser mais altos. Vê-se apenas o lado bom do homem, o optimismo prevalece. Mas é uma visão “ocidental”, onde não se vislumbra o acesso dos “bons indígenas” à emancipação e à igualdade.
E daqui a 100 anos, como será o Mundo? O homem está hoje menos optimista, vive mais angustiado. E já ninguém imagina o futuro como a “reconstrução” do Éden. Já não temos Júlio Verne, mas temos os livros e os filmes que nos falam do colapso (2012) e nos mostram as ruínas das grandes cidades depois de cataclismos, de pestes, do extermínio nuclear, de novas idades de gelo.
O mundo de hoje é um mundo pessimista em relação ao futuro. Infelizmente parecem sobrar razões para que o seja.
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Há tempos, chamou-me a atenção um artigo escrito em 1900, que continha um conjunto de previsões, ou antevisões, para o ano 2000. Foi publicado no “The Ladies Home Journal”, uma revista americana, e ainda hoje a sua leitura faz as delícias de quem o lê. Uma outra publicação de 1910, neste caso uma sequência de "quadros", mostrando uma antevisão do ano 2000, pertencentes a uma colecção da Biblioteca Nacional de França, ajuda-nos a conhecer a percepção que os nossos avós tinham do futuro.
Confrontando a realidade dos nossos dias com as previsões ali apresentadas, chega a ser chocante a “ingenuidade” dos autores, tanto do artigo como dos "quadros". Mas vale a pena revisitar e reflectir sobre estas conjecturas, pois elas ajudam-nos a entender a mentalidade de quem as produziu, a compreender melhor o mundo que nos rodeia, e até a própria dinâmica da evolução das ideias ao longo dos tempos. Podemos até sentir-nos estimulados a fazer o exercício de tentar antever o mundo daqui a 100 anos.
É certo que, há um século atrás, o ano "2000" era uma data mítica, vista em simultâneo como fim de século e como fim de milénio. Isso, julgo eu, ajudava a inflamar as mentes. Por outro lado, o tempo futuro parece mais extenso do que o tempo passado. A nossa mente habitua-se a olhar para uma data futura como representando uma “distância” enorme, e que depois nos parece muito mais curta do que havíamos imaginado. Quando apareceu o “1984” de Orwell ou o “2001 Odisseia no Espaço” de Kubrick, parecia que o tempo que faltava havia de permitir realizar todos os sonhos. E, afinal, essas datas, vistas pelo "retrovisor" do tempo, estavam “logo ali”.
Nestas previsões de há 100 anos sobressai uma crença ilimitada na tecnologia. A electricidade é ali apresentada como uma coisa milagrosa. Fala-se ingenuamente de navios movidos a electricidade cruzando o oceano, como se a electricidade pudesse ser transportada a bordo de um navio. E, constatamos hoje, a incapacidade de, nesse tempo, se perceber aquilo que foram os verdadeiros grandes saltos tecnológicos: a televisão, a informática, a internet, e até o avião. O carvão era a forma energética que tinha revolucionado o mundo e tinha conduzido ao progresso. Mas já se apresentava como uma coisa do passado, algo sujo e desinteressante. E que, acreditava-se, a energia eléctrica iria tornar obsoleto. O petróleo era conhecido, mas o seu potencial estava por adivinhar. E o nuclear nem sequer era imaginado.
Em 1900, o mundo ainda estava extasiado com os ecos da Exposição Universal de Paris, e vivia-se uma revolução tecnológica. Parecia não haver limites para os sonhos do homem. Júlio Verne, melhor que ninguém, encarna esta visão nos seus livros. Entre nós, ficou-nos a “Cidade e a Serras” do nosso Eça, que confronta o “novo mundo”, isto é, a civilização, com o campo ou as serras. E que, ao arrepio da tendência dominante, toma partido pelo campo e desaprova as “modernices” de Jacinto, que morava nos Campos Elísios e já tinha elevador.
Não se falava de limites do crescimento, e questões como o esgotamento dos recursos, a poluição ou o aquecimento global nem sequer eram afloradas. Falava-se do progresso, dum Mundo super-organizado, mas não se antecipavam os custos da complexidade que isso iria provocar.
Apesar de tudo, nas previsões do "Ladies Home Journal" impressionam alguns acertos. Fala-se do telégrafo, do telefone universal, do envio de imagens a longa distância, e da perfeita reprodução fotográfica da cores da natureza. Até já se dizia que os homens do futuro iriam ser mais altos. Vê-se apenas o lado bom do homem, o optimismo prevalece. Mas é uma visão “ocidental”, onde não se vislumbra o acesso dos “bons indígenas” à emancipação e à igualdade.
E daqui a 100 anos, como será o Mundo? O homem está hoje menos optimista, vive mais angustiado. E já ninguém imagina o futuro como a “reconstrução” do Éden. Já não temos Júlio Verne, mas temos os livros e os filmes que nos falam do colapso (2012) e nos mostram as ruínas das grandes cidades depois de cataclismos, de pestes, do extermínio nuclear, de novas idades de gelo.
O mundo de hoje é um mundo pessimista em relação ao futuro. Infelizmente parecem sobrar razões para que o seja.