Tarde foi. Mas no entanto, graças ao 25 de Abril e à integração na Europa, Portugal acabou por conhecer os 30 anos gloriosos, abreviados a quinze.
Os portugueses desforraram-se de séculos, viveram a liberdade, reivindicaram direitos, quezilaram sem censura, vestiram roupa lavada, foram às urnas de voto, ganharam dois pés de altura, rasgaram estradas novas, fizeram férias exóticas, encharcaram-se em consumo, hipotecaram-se ao banco, esqueceram a miséria, e puderam entrever o que era a cidadania.
Mas a pátria portuguesa é que não fora talhada, desde há muito, para ser mãe dos filhos todos. E a pouco se resumia a aritmética do pátrio sossego. Três quartos dos portugueses não passavam de enteados, com o único destino de resistir à miséria e fazer filhos. E desde os fumos da Índia, que haviam de enriquecer os negreiros do império, emigravam aos milhões: para o Brasil, para a América, para a Austrália e o Canadá, para o Congo ou a Argentina, para o Maranhão outra vez, para os subúrbios da Europa finalmente. Ou vegetavam na condição de servos, para que os poucos restantes fossem cidadãos inteiros.
Rodeadas de prebendas e de vícios, as elites novas, como as velhas, não sabiam, nem dava jeito sabê-lo, o que é uma sociedade democrática. Não conheciam, nem conviria aprendê-lo, o que é uma sociedade moderna. Não imaginavam, nem dava lucro pensá-lo, o que é uma sociedade produtiva. Nem dar-se ao trabalho de gerir uma sociedade complexa.
O resultado é um geral desassossego, mais que tudo para as elites. Se pudessem, já tinham ido bater ao portão do quartel do general de Braga. Não podendo, esperam que os enteados emigrem outra vez. A ver se a história se repete.