Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Ao afectar seriamente o sector do transporte aéreo, a actual situação de crise veio baralhar os planos de construção do novo aeroporto de Lisboa. Já tinha acontecido algo de semelhante em 1973, na sequência do primeiro choque petrolífero, quando Marcelo Caetano lançou os primeiros estudos sobre potenciais locais alternativos à Portela. Nessa altura não se passou das intenções.
Nas últimas décadas, e até ao advento da crise, o sector do transporte aéreo cresceu muito acima da economia global. De acordo com dados apresentados pelo comandante Cristopher Smith, da British Airways, nos dez anos anteriores a 2008 o sector cresceu 2,4 vezes mais depressa do que o PIB mundial.
Isso verificou-se também em Portugal. Entre 2003 e 2008, o crescimento do número de passageiros na Portela foi espectacular. Nesse período o tráfego anual passou de 9,8 para 13,6 milhões de passageiros, a que corresponde uma taxa anual de crescimento de 6,9%. E foram precisamente estes números que apressaram a decisão de construir um novo aeroporto em Lisboa.
Mas a crise que agora atravessamos (cujo fim se não descortina) alterou radicalmente a situação. Em 2008 o crescimento anual de passageiros na Portela foi apenas de 1,6%. E em 2009, contrariando previsões anteriores que apontavam para um crescimento de 6%, houve mesmo um decréscimo de 2,6%. A crise no sector é mundial e generalizada. E nos próximos anos, a existir alguma recuperação, tudo indica que será muito lenta.
De acordo com notícias recentes, há quem se esforce por fazer crer o contrário. O presidente da ANA entende que a crise actual apenas reduzirá o crescimento anual médio do tráfego de 4,0% para 3,9% nos anos futuros; e que, em 2017, a Portela registará 18,0 milhões de passageiros, e não 18,7 como indicavam os anteriores estudos. Afirma mesmo que esta é uma previsão conservadora. E diz isto para concluir que o actual aeroporto estará a "rebentar pelas costuras em 2017", e que "não há dúvidas quanto à necessidade e urgência de construir um novo aeroporto".
Porém, não é só a crise económica que vai condicionar depressivamente a procura do transporte aéreo. A previsível escassez de petróleo e o elevado preço da matéria-prima (afinal uma das razões principais da crise que o mundo atravessa) terá fortes implicações no futuro do transporte aéreo e nos sectores da economia que lhes estão associados. Com efeito, a dependência dos combustíveis líquidos derivados do petróleo é particularmente elevada – deve mesmo dizer-se total – no sector aeronáutico, pois não existem alternativas energéticas ao fuel usado nos aviões. Está fora de questão, num futuro próximo, a utilização de hidrogénio, de energia eléctrica ou nuclear, para propulsionar aeronaves comerciais.
Face à alteração de pressupostos, estamos perante a urgente necessidade de reavaliar a decisão sobre a construção de um novo aeroporto. E dois são os dados-chave para fundamentar essa decisão: saber qual o tráfego crítico de saturação da Portela, e estimar a taxa de crescimento desse tráfego nos próximos anos.
Admitamos, sem contestar, que a saturação da Portela se atinge nos 18 milhões de passageiros/ano. A uma taxa de crescimento médio anual de 4%, esse valor de saturação será atingido em 2017. Mas para taxas de crescimento de 3%, 2% ou 1%, os anos de saturação serão, respectivamente, 2020, 2025 e 2040.
Pessoalmente, acredito que taxas de crescimento entre 1% e 2% são realistas, e consentâneas com a previsível evolução do PIB português. Fixe-se pois o ano de 2030 como ano-meta para ter Alcochete pronto a receber aviões. E vá-se planeando e construindo, devagar e bem como convém, sem megalomanias nem derrapagens de custos. À medida das nossas possibilidades.