E foi tocando uma flauta de Pã, disfarçado de pastor, que Hermes se aproximou de Argo, uma béstia de cem olhos, encarregada por Hera, mulher de Zeus, de vigiar uma bezerra branca, atada à oliveira, na encosta.
A bezerrinha não era senão a jovem Io, uma princesa que Zeus surpreendeu a refrescar-se no lago. E ali nasceu no velho uma paixão que não teria fim, não fossem os ciúmes da zelosa Hera.
Para não ser apanhado em flagrante, Zeus fez da amada uma bezerrinha branca, que a esposa reclamou como presente.
O pai dos deuses não teve escapatória. Hera entregou a rival à vigilância de Argo e tocou o esposo para o Olimpo. E um dia, lá do alto, Zeus encarregou Hermes de liquidar o guarda e libertar a bezerra.
Hermes bem queria adormecer a sentinela e dar-lhe o golpe fatal. Tocou flauta, retocou-a, contou histórias das Arábias... mas sempre que a bestiaga fechava cinquenta olhos, sobravam outros cinquenta. E só à peripécia do deus Pã, atrás da ninfa Siringe que se fez canavial, o guardião sucumbiu.
Hermes fez sem demora o que tinha a fazer, enquanto Zeus ia vendo em que paravam as modas. Hera veio recolher os olhos de Argo, e pô-los todos na cauda do pavão, um bicho que lhe era grato. E a bezerrinha livrou-se do diabo, para se meter na mãe dele.