Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Um dos factores que, na última década, mais tem influenciado a situação económica internacional é o forte crescimento da China. Com efeito, nos últimos 10 anos, a China teve um crescimento espectacular do PIB, com taxas médias de 10% ao ano. Muitas empresas e marcas dos mercados europeu e americano entraram em força, e com sucesso, no mercado chinês.
O consumo dos chineses aumentou, e os indicadores de conforto aproximam-se pouco a pouco dos que se verificam nos países mais desenvolvidos. A China tornou-se a segunda maior economia mundial, destronando o Japão. De exportador de petróleo até 1994, a China é hoje um dos maiores importadores mundiais. Essas importações cifram-se em cerca de 4 milhões de barris por dia, e têm sido um dos principais responsáveis pelos elevados preços do crude nos anos recentes.
Os efeitos da crise, que em 2007 eclodiu nos EUA e alastrou a todo o mundo, fizeram-se sentir também na China, tendo motivado um decréscimo das exportações e uma redução do crescimento. Mas, possivelmente por ser uma economia centralizada, a reacção foi mais rápida, e o crescimento estimado para o corrente ano será já da ordem dos 8%.
No contexto actual, o crescimento da economia chinesa tem de continuar elevado. Só assim poderá sustentar a alteração estrutural do sistema produtivo, que é caracterizado por uma elevada taxa de desemprego e por uma contínua e crescente migração das populações das zonas rurais para as zonas urbanas. A direcção centralizada da economia vai ter de estimular e manter esse crescimento a todo o custo.
Até agora isso tem sido conseguido através de um forte estímulo financeiro, traduzido num forte aumento do crédito que cresceu, nos últimos dois anos, 2,5 vezes. Os chineses têm uma elevada poupança, a qual é uma forma de protecção num sistema sem segurança social, sem serviço público de saúde e sem protecção no desemprego. A compra de um apartamento é hoje, para os chineses, uma forma de assegurar alguma protecção na reforma.
Não admira por isso que o crescimento da China esteja baseado sobretudo na construção civil, a qual atinge valores astronómicos. Neste momento estão em construção na China 3 mil milhões de m2, o que corresponde a 2,5 m2 por habitante. Mas os excedentes já são bem patentes: 20% do espaço comercial em Pequim e 16% em Xangai está disponível para aluguer. Um dos maiores e mais modernos centros comerciais do mundo, o South China Mall, recém-construído, está praticamente desocupado. E até uma cidade inteira, Ordos, construída na Mongólia chinesa para albergar 1,4 milhões de habitantes, está totalmente vazia.
Tudo isto é visto por alguns analistas como um perigoso sobreaquecimento da economia, e receia-se que o preço do m2 não possa continuar a aumentar por muito tempo. Alguns dizem que a situação pode ser semelhante à que ocorreu nos Estados Unidos em 2007, e já se fala da “bolha chinesa”.
A ocorrência deste espectro pode vir a ter consequências muito dolorosas. Poderá afectar gravemente a situação mundial, e pôr em causa a frágil retoma que parece esboçar-se na Europa e nos Estados Unidos. As economias são todas fortemente dependentes, e muita da capacidade industrial dos países ocidentais foi irremediavelmente destruída pela concorrência dos produtos ”made in China”.
Por outro lado, as exportações de bens industriais para a China têm estimulado muitas economias. Cite-se como exemplo o caso do Brasil, para quem a China representa 15% das exportações.
Uma crise chinesa teria ainda como consequência uma forte queda do preço do petróleo, facto que, no contexto actual, poderia ser mais maléfico do que benéfico para a almejada retoma. Alguém disse já que a China será a mãe de todos os “cisnes negros”.