Alarmado com a crise, prisioneiro dos conceitos do custo e do benefício, limitado, o pobre, à estética aristotélica, o novo director-geral foi definitivo e terminante: nas artes de palco em geral, e nas performativas em particular, só a sala cheia garante o subsídio. Fora disso nem pensar!
Ficámos ali à nora. Com dois milhões por ano garantidos pelo erário íamo-nos aguentando, sempre gotejava o génio criativo. É certo que o público andava muita vez de candeias às avessas, serões havia em que se estava tintas para a performance. Mas a vida ia bem. Agora assim, logo do pé para a mão...
Fomos à bruxa, falámos com gurus, lá consultámos um programador.
-Há espectáculos para cinco, para um, para dez ou para centenas de espectadores. E exemplos não faltam de obras que foram feitas para públicos que haviam de vir. Como Os Lusíadas, para não irmos mais longe. Naquela altura mal se deu por eles e hoje em dia é o que se vê, a malta pela-se por glórias de papel.
Quem assim fala são os populistas e os ignorantes, que tudo desconhecem sobre os mecanismos da produção artística, da liberdade criativa, da formação dos públicos e da história das artes. E são discursos de ressabiado: como é que uma reles minoria entende o que eu não entendo, e ainda por cima pode tirar prazer disso? O complexo do labrego, e a subliminaridade da síndrome da impotência, tais a ver?!
Bendita hora aquela! Melhor do que isto só a pítia original, nas cavernas em que imperava Apolo!
Em menos duma semana montámos uma cena para espectador único, inaugurámos um ciclo de sessões contínuas com lotação esgotada. O público, esse, ninguém pegava nele, foi preciso dobrar a assistência à bilheteira. E com uma ajudinha da crítica esclarecida, até o director-geral se deixou convencer.