Este mundo está desgraçado, não vive senão de estímulos subliminares. Nada nele é mais sério que esse pouco. Já viste a publicidade que te cerca, a criar necessidades que não tens? Já viste a moda, o amor, a arte contemporânea, a própria literatura?! Repara-me neste texto:
O abelharuco, que tem o rabo longo, passa o tempo a estudar o relvado, hesitando entre a faia e a figueira. Não são, a bem dizer, os figos que o motivam, mas os grilos. Quando algum se arrisca no carreiro, mergulha em cima dele. Crucifica-o no bico, vai sentar-se num galho e come-o. Passou a manhã nisto.
Fora disso abriga-se na sombra e alarga as penas à brisa, a refrescar-se. Só volta ao chão se um grilo se aventura.
Mas quando a gralha, que tem a fala dura, espanejou as asas e desce do carvalho, logo o abelharuco desampara o relvado. Esquece grilo e tudo.
Bela fábula, dirás! Mas saberás por que a escrevi assim? Porque te surpreendo e te seduzo. A ti, que deixaste de ir ao campo, se alguma vez por lá andaste. Não sabes nomes de pássaros. Viste uma vez margaridas num portfólio de artista. E vives aterrorizado pelo buraco do ozono, o aquecimento global, o terrorismo inventado e a prestação duma casa. Sabes lá o que são abelharucos?!
É por aí que a fábula te assalta, e o discurso te belisca. Estimulando a tua ignorância. Tu já me viste este mundo?!