Angelina tem 73 anos e vive em Dine, que é o lugar onde nasceu. É uma aldeia com fornos de cal abandonados há muito. E fica para lá do derradeiro monte que limita os fins do mundo. Chega-se lá depois de passar muitas encruzilhadas, e é um lugar tão bonito que nem apetece deixá-lo. É aqui que Angelina vive, com uma cadela que se chama Luna. Ouve uma pessoa um nome assim e põe-se logo a fazer perguntas ao instinto.
A seu tempo foi Angelina mãe solteira, duma filha que vive na cidade. Trabalha no comércio, a rapariga, e Angelina está toda contente. Gosta mais de a ver longe neste ofício, do que perto a labutar no campo. Isto ressalvando a tristeza comum de ambas se encontrarem só de horas em quando. Mas um dia há-de-lhe dar uma netinha.
Angelina vive perto da fontana, ao lado duma represa que também serve de tanque de lavar. E, quando chega o Natal, faz todos os anos um presépio ali no jardinzito, para animação do povo. A casa fica além, debaixo da parreira, e vivem hoje nela a dona e a cadela, conforme antigamente lá viviam a filha e a mãe já velha. Sempre que voltava a casa, Angelina punha-se a fingir a voz duma vizinha, às punhaladas na porta com recados urgentes, para lhe fazer picardia.
– Oh que assim és tontinha, minha filha! - E riam ambas no fim.
Ao contrário do resto da aldeia Angelina não anda de preto, porque não é viúva. E por sobre ser uma mulher alegre, tem um espírito aberto, dado e solto. O melhor será chamar-lhe livre, porque o é. Ninguém lho amansou, que é o que sucede as mais das vezes, quando passa por cima das mulheres o rolo compressor da conjugalidade. Não é provável que Angelina tenha consciência disso. E foi com um largo sorriso que nos convidou para almoçar, um frango caseiro que já lá tinha ao lume.
À despedida ofereceu-nos um tantinho de nozes e castanhas. E confessou que, por esse mundo além, só lhe agradava ver a árvore de Natal numa praça do Porto. Disseram na televisão que não há outra maior, e ela acredita.