A confusão que reina pelas cabeças de certos achadores de talentos literários só é ultrapassada pela cegueira contentinha que desgoverna as cabecitas dos achados talentos.
Na impossibilidade de obter um link, e num arriscado exercício de salvamento da Literatura, transcreve-se o crítico António Guerreiro, no último ATUAL:
"Sigamos Walter Hugo Mãe, se quisermos ver em funcionamento, sem hesitações nem alibis, a máquina de destruir escritores. A engrenagem subiu ao palco, sob a forma de tragicomédia, no festival de Paraty, de onde saiu uma personagem grotesca que se oferece em espectáculo numa representação de cabaré, amplificada por aplausos emocionados de espectadores que gostam do teatro das emoções, e acham que um escritor é tanto melhor quanto mais escreve como respira, isto é, como mente. (...)
Finalmente, a grande engenhoca do lançamento, para a qual se convocou o mais respeitável construtor da nossa democracia para a tarefa da mobilização nacional em torno do escritor, coroou este percurso pelo qual um romance passa a ter um destino extraliterário. (...)
Terminada a festa da destruição do escritor, fica o objecto desamparado do romance, no meio dos destroços. Quem, por dever de ofício, por curiosidade ou porque não se pode subtrair à 'atualidade', assistiu aos actos preparatórios da implosão, só tem um desejo, que, a cumprir-se, proporcionaria o júbilo pérfido da vingança: que o romance se erga acima do seu autor, apesar dele, ignorando os seus desvarios e as engenhocas promocionais de destruir escritores.
Infelizmente o desejo não se cumpre, o júbilo perverso fica adiado e o dito romance, tão patético como a engrenagem destrutiva que preparou o seu aparecimento, faz-nos passar por aquela experiência muito embaraçosa de sentir a vergonha que caberia ao outro. Nem um deus, quanto mais um filho, o pode salvar".