segunda-feira, 20 de junho de 2011

Lidoro

Um tal nome é corruptela do vulgo. Do original já não há quem se lembre, tinha ressonâncias clássicas perdidas, engendradas ninguém sabe como na cabeça do pai, a quem chamavam filósofo. Isto quando voltou da grande guerra, de cabeça estonteada pelos gases.
Hoje vive ali, nas Tapadinhas, a meio da encosta, como um anacoreta. Tem uma casita de chão térreo, com uma porta onde entra o sol pelas manhãs. Lá dentro cabe uma vaca, três cabras, e uma dúzia de cães. Na horta há uma presa antiga, de águas vivas, de nascente. Basta-lhe a ele, aos bichos e ao renovo.
Quando calha apanha uma perdiz, um laparoto incauto, se os cachorros ajudarem. Poda as vides da latada, com que faz um vinho improvisado que lhe adoça as invernias. Afora isso deixa o mundo correr.
Teve em tempos uma namorada, e desejos de fazer vida com ela. A irmã é que não deixou, não era mulher para ele. A namorada foi casar a outro lado, a irmã morreu quando lhe chegou o dia. E o Lidoro mudou-se para as Tapadinhas. Nunca mais voltou ao povo, que foi ficando deserto.
Já lhe ofereceram uma casa da Misericórdia, um quarto no lar dos velhos. Mas ele escorraçou o mensageiro. Diz que se fartou daquelas galgas, que não está para as aturar. As galgas são as sibilas, são as línguas das mulheres, quando se juntam na fonte. Nem ele sabe que as galgas já morreram.

(Há mais tarde um Lidoro revisto/actualizado!!!)