Uma das características dos povos que não sabem bem quem são é a tendência para o faz-de-conta. Perante a dificuldade, pior ainda se for uma catástrofe, alçam os pés da realidade e lá vão eles. Tem sido esse, e continua a ser, o caso dos portugueses. Conduzidos há séculos por elites de pura ficção, não há no faz-de-conta quem lhes leve a palma. Exemplos disso não nos faltam na história.
Faz-de-conta que não vivemos um momento de absoluta convulsão planetária. Em que uma clique de lobos financeiros, de corporações todo-poderosas, e de potentados da desinformação, julgam chegado o momento de modelar a seu jeito o destino de milhões de homens e a vida no planeta.
Faz-de-conta que a nossa falência económica, mais do que fruto dos nossos erros, de velhas debilidades e da borrasca que nos caiu em cima, é culpa do mau governo que temos. Se antes não for delito pessoal dum só homem que o chefia.
Faz-de-conta que umas eleições faziam falta, e vêm a propósito, e trazem a solução.
Pois muito bem. Envenenados por uma campanha de ódio focado num só culpado, os portugueses fizeram as eleições. Não pensaram um minuto no tempo que se perdeu, no preço que elas custaram, no faz-de-conta que há nelas. E agora têm um governo novo, uma espécie de brinquedo que é também um faz-de-conta.
É movido a gente jovem, perita na parte vaga, essa gente que os enganos e os maus ventos da história trouxeram de África um dia. Veio na volta das naus. Conhece Portugal à-vol-d'oiseau, e confunde-lhe a alma com a velhice. Criou-se nas miragens dos sertões, onde a vida era ligeira e era edénica, porque uns ilotas a faziam mover. Para essa gente nem uma guerra existia, porque a guerra era um problema português e Portugal estava longe.
E mais longe agora vai ficar. Mas faz-de-conta que não.