Nos finais da 2ª Guerra Mundial, em 1944, Carlos Gorgulho, coronel de Artilharia, é nomeado por Salazar para o cargo de governador da colónia ultramarina de S. Tomé e Príncipe.
70% desta parcela do império está nas mãos duma dúzia de roceiros, que gozam na metrópole os proventos trazidos pelos elevados preços do cacau. O trabalho nas roças é feito por "contratados", os "cabeças de alcatrão", que em Angola e Moçambique são caçados em rusgas nos sertões e trazidos ao "contrato".
Zé Mulato, que tem 25 anos, é encarregado da segurança do governador. Filho duma preta e dum labrego de Lamego deportado para a ilha no princípio do século, chamam-lhe o "pára-motores", tal é o impacto dum soco dos seus punhos.
António Coelho é enfermeiro, veio um dia de Estremoz. E trabalhou em tempos para a PVDE, onde ganhou notáveis funcionalidades, que hão-de revelar-se decisivas.
O governador gosta de carros e de fêmeas, e tem elevadas ambições quanto ao futuro. Por enquanto manda nestas ilhas, mas quer subir a governador-geral de Angola, mais que todas a pérola do império. Para isso pretende levar a cabo um conjunto de realizações que há-de afirmá-lo como servidor exemplar, há-de alindar-lhe a folha de serviços, há-de granjear-lhe a almejada promoção.
A bem da província e em proveito da pátria, desenvolve um largo programa de obras públicas, assente no trabalho forçado das brigadas das obras do Estado. A elas são condenados os "contratados" recalcitrantes, castigados nas roças seja por insubmissão, seja por dá cá aquela palha.
E ao mesmo tempo pretende o governador satisfazer o volume de mão-de-obra que os roceiros não param de reclamar. A escravatura foi abolida há um século. E 30% dos forçados ao "contrato", trazidos de além do mar, não aguentam o regime de trabalho e morrem do coração.
Pela sua parte, os nativos de S. Tomé tomam à letra o discurso farisaico do poder colonial e consideram-se "forros", homens livres. Resistem ao "contrato" nas roças.
Entre a elite dos nativos "assimilados" sobressai um engenheiro agrónomo, Salustino Graça, duma família indígena dominante na ilha. É uma figura temida, porque sempre defendeu o seu povo do regime de escravatura.
Toda a mão-de-obra, assim, é sempre escassa. Mas o governador Gorgulho vai pegar o touro pelos cornos e resolver a questão. Assim ele consiga aplicar aos nativos as normas coloniais, taxá-los de "incivilizados", acusá-los de vadiagem. Quem não tiver documento de trabalho dum patrão, acaba acorrentado nas brigadas.
A missão católica apadrinha esta política. Porque o padre Martinho, que tem sete filhos duma preta e vende aos pescadores nativos, a cinco tostões a unidade, orações que trazem vento, quando o vento anda arredio e afrouxa as velas dos barquitos, não quer senão o bem do rebanho de Deus.
(Continua)