Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO-Portugal
Contrariamente ao que sucedeu na informática ou nas telecomunicações, a tecnologia dos transportes e o motor de combustão interna pouco evoluíram nos últimos 100 anos. Mas podemos estar a viver no limiar de uma grande transformação: o surgimento do veículo eléctrico rodoviário, como forma massiva de transporte de passageiros, para substituir o automóvel a gasóleo ou gasolina.
Neste momento parecem estar finalmente criadas as condições técnicas e políticas, sem dúvida originadas pela degradação económica que se vive a nível global, para que se dê esse salto tecnológico. As modernas baterias de iões de lítio, com a elevada capacidade de armazenar 100 KWh por cada quilograma de massa da bateria e com um impressionante número de 7000 ciclos de carga, poderão ter uma vida útil de mais de 200.000 km. O veículo eléctrico ainda estará longe do desempenho dos actuais, mas parece que se vai no bom caminho. As vantagens são a maior eficiência energética, menos poluição e manutenção mais barata.
O passo seguinte será assegurar uma boa rede de abastecimento dos veículos, incluindo cargas rápidas (apenas alguns minutos) em estações de alta voltagem, e garantir uma produção eléctrica ajustada à nova realidade.
Um carro compacto propulsionado por um motor eléctrico consumirá uns 200 watts-hora de energia por quilómetro. Contas feitas, os cerca de 5 milhões de veículos ligeiros de passageiros do nosso parque automóvel, circulando em média 12.000 km por ano, consumirão cerca de 12 Terawatts-hora de energia eléctrica, que é um quarto da que se consome em cada ano actualmente em Portugal.
Não considerando as perdas resultantes da sua integração na rede e no transporte, esta energia não andará longe daquilo que pode ser a produção de uma central nuclear de 1,5 Gigawatts de potência. Ou, em alternativa, a que produzem 5.000 turbinas eólicas de potência média de 1 Megawatt e um factor de rendimento de 30%.
Na situação actual, o consumo dos automóveis ligeiros de passageiros do nosso parque é assegurado pela refinação de uns 100.000 barris de petróleo por dia, cuja combustão lança para a atmosfera mais de 30 mil toneladas de CO2.
A electricidade não é uma energia primária, pois não existe na natureza. Tem de ser produzida. Ela é, contudo, a forma mais conveniente de agregar e distribuir todas as outras formas de energia. Para satisfazer a procura em cada minuto do dia, a gestão da produção tem que ser feita de forma centralizada: por exemplo, fechar as turbinas hidráulicas quando sopra o vento, ou abri-las em dias de calmaria.
Por isso a rede eléctrica será certamente o principal suporte da energia no futuro. Muitas serão as energias primárias a contribuir para aquilo que já se designa como smart-grid: barragens, centrais térmicas a carvão, a gás ou biomassa, turbinas eólicas, painéis solares, ou até, quem sabe, uma central nuclear localizada algures em Espanha.
Perante as várias alternativas, há que escolher as formas mais adequadas: mais baratas, menos poluentes, mais seguras e mais complementares em termos de intermitência. Isto é, que melhor se complementem aquando da interrupção conveniente das outras formas de produção. A energia eólica tem ganho uma grande importância e tem vindo a afirmar-se como uma solução viável e cada vez mais adoptada. Presta-se bem a ser combinada com a produção hidráulica, e isso é uma vantagem para Portugal.
Mas, perante as fragilidades que se podem antever para o gás natural, assaz exemplificadas com o recente (e ainda actual) diferendo entre a Rússia e a Ucrânia, o carvão e o nuclear continuarão a ser a base da produção de electricidade, e a opção entre as duas terá que ser discutida, mais tarde ou mais cedo. E quanto mais cedo melhor.
A actual civilização está num importante e complexo ponto de viragem, de que a presente crise económica e financeira é apenas um sinal. Estamos no zénite da era fóssil, e o mundo começa a sentir a urgência de se preparar para sobreviver ao esgotamento, a breve prazo, dos recursos energéticos que moldaram a nossa maneira de viver nos últimos 150 anos.
Uma política de desenvolvimento económico, e até a própria solução para a saída da crise, não podem alhear-se desta realidade. Também no que toca aos grandes projectos de investimento parece ter chegado o momento das opções: esses projectos baseados em apostas no turismo e na construção civil estão pensados para a economia do carbono. E poderão não ser os mais indicados para o Portugal da era pós-carbono. Existem alternativas que devem ser ponderadas.