quinta-feira, 21 de março de 2013

Ouro em azeite

[Rei Midas com a filha, 1893 - Walter Crane]
Azeite com aparas de ouro, é o que alguns produtores trouxeram ao mercado. Fazem lembrar antigos alquimistas, que sonham com maravilhas e prometem milagres. O melhor é dar ouvidos a quem sabe.

«(...) A ironia é que o ouro não serve para (quase) nada. De facto, é demasiado denso e demasiado macio para ser útil, mesmo como adereço. Numa escala de 1-10 - a conhecida escala proposta por Friedrich Mohs em 1812, que vai do talco ao diamante - a sua dureza é apenas de 2.5. Para maior dureza, usa-se ligado a outros metais (em geral prata ou cobre). A composição é medida em termos de quilates (com 24 quilates para o ouro puro). Assim, uma liga de ouro de 18 quilates representa uma pureza aurífera de 75%. Saliente-se que o ouro também não desempenha qualquer papel significativo ao nível biológico (ao contrário do sódio, do potássio, do magnésio, do cálcio, do ferro, do cobre, do manganésio, do cobalto, do níquel, do zinco e, mesmo, do vanádio). O paradoxo da inutilidade altamente desejável do ouro é reforçado pela conhecida história do Rei Midas (ou Mita) da Frígia (séc.VIII a.C.): Sileno, um beberrão consumado - mas também respeitado tutor de Dioniso - vagueava, perdido, pela Frígia, quando foi levado à presença do rei. Este, porém, acolheu-o com galharda hospitalidade. Grato pelos favores concedidos ao mestre, Dioniso resolveu recompensar Midas, satisfazendo-lhe qualquer pedido que ele fizesse. A escolha recaiu no dom de trnsformar em ouro tudo em que tocasse. Não tardou muito para que Midas percebesse que tinha requerido uma sentença de morte, para si e todo o reino. Ao menor contacto, o vinho, a comida, até a sua filha se transformavam em inertes estátuas de ouro (o sonho alquímico?). Aflito, o rei recorreu novamente a Dioniso que, para o libertar de tal maldição, o mandou banhar-se no rio Pactolo. A história acaba bem: Midas voltou a ser um rei normal e as areias do rio ficaram auríferas. (...)
Um dos usos mais extraordinários da capacidade única da água-régia para dissolver o ouro ocorreu em Copenhaga durante a II Guerra Mundial. Dois físicos alemães, Max von Laue e James Franck, ambos galardoados com o Prémio Nobel de Física (em 1914 e 1925 respectivamente), com receio de verem as suas medalhas de ouro confiscadas pelo governo nazi em prol do esforço da guerra, tinham-nas confiado a Niels Bohr, fundador e director do famoso Instituto de Física Teórica em Copenhaga. Com a invasão da Dinamarca pela Alemanha em 1940, tornava-se imprescindível esconder as medalhas (até porque elas estavam identificadas com o nome do laureado). Foi o químico húngaro George de Hevesi, então a trabalhar no Instituto de Bohr, quem teve a ideia de, em vez de esconder as medalhas, as dissolver em água-régia e de arrumar o frasco da solução nas prateleiras do laboratório. Quando a guerra acabou, Hevesi precipitou o ouro que depois foi devolvido à Fundação Nobel em Estocolmo, para cunhar novas medalhas. (...)»
[in HAJA LUZ! Uma História da Química através de Tudo - Jorge Calado]